"No mundo do futebol, como treinadoras, às vezes somos um bocadinho rebaixadas"
Depois da experiência no futsal, Flávia Fartaria dedicou-se ao futebol, mais especificamente ao Ouriense, emblema que representa há 10 anos, desde 2011/2012.
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Chegou ao Ouriense há dez anos, na altura com a proposta de treinar as camadas jovens e jogar na equipa sénior. Hoje, com 30 anos, a avançada Flávia Fartaria mantém as funções, apesar dos momentos complicados que já teve de enfrentar por ser uma mulher no desporto.
Em que altura descobriu a paixão pelo futebol?
-Inicialmente, comecei por jogar futsal feminino, no desporto escolar, tinha cerca de 16/17 anos. Depois, a equipa de futsal da escola acabou e fui jogar um ano para Leiria. Fui à procura de outro campeonato. Para além disso, lembro-me que jogava muito na rua, com os rapazes principalmente.
A experiência no futebol começou em que altura?
- Quando acabei a universidade, convidaram-me para ser treinadora e jogadora no Ouriense. A proposta já tinha surgido anteriormente, mas preferi acabar de estudar primeiro. Aceitei as duas funções e desde 2011 que faço parte da equipa.
Sendo que o Ouriense foi a única equipa em que jogou, nunca teve a experiência de jogar com rapazes?
-Como atleta nunca passei por equipas mistas, mas como treinadora sim. Aliás, este ano treino uma equipa mista, com miúdos de 10 anos. Muito sinceramente, eu acho que é normal. Como treinadora tento sempre dar os treinos de maneira igual. Existe diferença claro, mas, felizmente, as jogadoras que estão na minha equipa levam o futebol muito a sério. São muito competitivas. Às vezes chateio os rapazes porque as raparigas até são melhores.
Nunca pensou dedicar-se só à função de treinadora?
- Pensei o ano passado porque queriam dar-me uma equipa mais velha num outro clube. Mas acho que ainda não estava preparada para deixar o futebol e decidi continuar aqui. Como treinadora de formação dá perfeitamente para conciliar com a vertente de jogadora. E por isso, por agora, não penso em dedicar-me só a uma função.
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O quê que é mais difícil para si, sendo mulher, neste mundo do futebol?
- Tenho mais dificuldade como treinadora, para ser sincera. No mundo do futebol, em termos de treinadora, às vezes somos um bocadinho rebaixadas. Já passei por situações difíceis, em que tive de me controlar um bocadinho. Eu sou muito calma, mas já tive situações complicadas. Até os árbitros já disseram coisas menos apropriadas que não gostei muito. No final até me pediram desculpa, mas há assim situações delicadas. O que eu noto é em termos de competência, pensam sempre que os homens são mais competentes. No entanto, agora até já está a melhorar.
Sente que desde que começou a jogar até aos dias de hoje já houve uma evolução na modalidade?
- Sim, claramente. Eu sou uma felizarda. Quando comecei a jogar no Ouriense havia muita visibilidade, as pessoas enchiam o campo. Uma das coisas que notei é o aumento das raparigas a jogar no clube, principalmente quando fomos campeãs. Lembro-me que nessa altura muitas miúdas foram lá treinar, houve um acréscimo de jogadoras interessadas em praticar a modalidade. Mas em termos nacionais, ainda há um logo caminho pela frente.
Voltando ao Ouriense, a equipa não atingiu a fase de campeão. O que é que foi mais difícil?
- A nossa equipa passou por um momento muito complicado, quando tivemos em isolamento logo no início do campeonato devido à covid-19. Ainda não tinha começado a prova e já estávamos a perder. Agora já existe mais informação, mas na altura não sabíamos nada do que ia acontecer, estávamos um bocadinho ansiosas. Nós, enquanto equipa, ainda nos tentávamos animar, mas foi muito complicado. Nos treinos a seguir, parecia que estávamos há nove meses sem treinar, parecia que não sabíamos jogar o mesmo futebol. Esse momento, na minha opinião, foi claramente a principal razão de não termos passado à fase seguinte.
Agora para a segunda fase. Que expectativas têm?
- Todas as equipas querem ficar em primeiro lugar e manter esta senda de vitórias. Se continuarmos a jogar assim, podemos garantir a permanência.
Que objetivos tem para o futuro?
- Pretendo continuar a jogar futebol e enquanto tiver em boa forma tudo é possível. Mas é necessário estar consciente que é preciso muita dedicação para corrermos atrás deste sonho.
Em algum momento da carreira ponderou desistir?
- Sim, logo no primeiro ano estive internada no hospital com anemia. Nessa altura, o médico disse que se não se resolvesse o caso que teria desistir do futebol. Ponderei em parar de jogar, mas consegui superar isso. Outro momento complicado foi quando parti a clavícula a treinar, em 2014/2015. A minha mãe chateou-me um bocadinho, pensei em desistir, mas, mais uma vez, dei a volta por cima.