"No início foi estranho, estava habituada a jogar com rapazes da minha idade"
Catarina Pereira é lateral-esquerdo do Futebol Benfica, equipa da Zona Sul que luta por um lugar na Liga BPI. A estudar ciências farmacêuticas, Catarina aprendeu a melhor a forma para gerir e conciliar as duas atividades.
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No bilhete de identidade tem apenas 20 anos, mas o facto de estar há quatro anos no principal escalão da modalidade já atiram a lateral para a lista de jogadoras mais experientes. Para o futuro mantém guardado o sonho de chegar à Seleção Nacional.
No Futebol Benfica há quatro anos. Como tem sido esta passagem?
- No início foi estranho porque estava habituada a jogar com rapazes da minha idade. Quando me mudei, comecei por jogar com mulheres muito mais velhas que tinham outras responsabilidades, outros trabalhos e estavam ali mesmo por amor à camisola. Senti que, nesse aspeto, tive de crescer como pessoa para ter a mesma responsabilidade que elas tinham no futebol. Sempre fui bem recebida por toda a gente e, agora, estou totalmente integrada. E gosto desse sentimento de conforto, de segunda família.
Neste ano atípico, o Futebol Benfica luta pela permanência. Estavam à espera de atravessar momentos tão turbulentos?
- Não era, de todo, o que idealizámos e claro que é muito mais difícil manter a união e o espírito vencedor numa equipa que não tem apresentado bons resultados. Mas acho que o facto de nos conhecermos há bastante tempo ajuda a que não nos larguemos umas às outras. É na adversidade que se vê as grandes equipas. O facto de estarmos a lutar pela permanência, e o Futebol Benfica ser uma equipa com muita história, é difícil. Mas se conseguirmos esse objetivo é que se verá que somos uma grande equipa.
Até ao final, a equipa ainda pode surpreender?
- Espero que sim. A sorte conquista-se. E nós estamos a trabalhar todos os dias para que essa sorte apareça e para que estes últimos jogos sejam de resultados positivos e que consigamos o objetivo.
"Estamos a trabalhar todos os dias para que essa a sorte apareça"
Antes de chegar ao Futebol Benfica, passou pela formação de outros emblemas. Há algum que a tenha marcado mais?
- Basicamente, a minha formação foi feita a jogar com os rapazes, no Monte Agraço. Esse clube marcou-me muito, porque foi onde estive mais anos e o facto de jogar com rapazes ajudou-me a crescer, porque eu era a única menina e senti que tinha de me impôr para conseguir ganhar o meu espaço no meio dos homens. Como éramos todos da mesma idade, isso nunca foi um problema, eles sempre me respeitaram e foi muito bom para o meu crescimento.
Qual a maior dificuldade em jogar com rapazes?
- Como éramos quase todos colegas de escola, a integração não foi difícil, mas acho que isso, nas meninas que jogam com rapazes, é um processo complicado porque podem olhar-nos de lado. Isso nunca aconteceu comigo. No que sentia mais dificuldade era na diferença física, eles tinham mais atributos do que eu. Mas é bom haver essas diferenças, porque ajudam-nos a crescer.
Sendo assim, considera importante para o desenvolvimento das atletas?
- Acho fundamental. Voltamos à questão dos atributos, eles são mais rápidos, mais fortes, e isso ajuda-nos a superar-nos para estarmos ao nível deles e podermos jogar. A fisiologia masculina dá atributos que a nossa não dá, que só com muito trabalho é que atingimos. Temos de arranjar forma de ter isso e acho que é fundamental essa experiência.
Alguma vez sentiu algum preconceito?
- Não. Joguei com rapazes e nunca senti. Temos de ter o mesmo empenho e o mesmo foco do que os rapazes e mostrar que nós, raparigas, também conseguimos e somos boas a fazer uma coisa que nos primórdios dos tempos era um desporto de homens, tal como ainda é visto por muita gente, atualmente. Nós, mulheres, também temos capacidades e somos tão ou melhores do que eles.
Para o futuro, que ambições tem?
- Quero continuar a jogar futebol enquanto conseguir. O principal objetivo do futebol passa por chegar a uma equipa profissional e também à Seleção Nacional. Fiz o percurso nas seleções jovens e agora queria muito chegar à Seleção A. É um sonho. Depois, a par do futebol, também estudo, estou no terceiro ano de ciências farmacêuticas e quero concluir. Vou fazendo as duas coisas em simultâneo.
Como tem conseguido gerir os treinos e os estudos?
- Desde pequena que estou habituada a jogar e a estudar. A minha mãe dizia que se não tivesse boas notas deixava de jogar futebol. Acredito que isso tem sido uma maneira de me estimular a não deixar os estudos. Ajudou-me a ser uma pessoa organizada e a gerir melhor o meu tempo. Faz sentido ter sempre uma coisa extra, ajuda-nos a focar no essencial.
Relativamente às rotinas de treino... torna-se complicado conciliar?
- Dormimos menos horas, basicamente. Se sair as 14h da faculdade, sei que tenho de estudar até às 19h, porque depois tenho treino. Mas isso ajuda-nos a crescer, a organizar. Tudo isto tem mais benefícios. É cansativo, mas compensa.