É uma das figuras da Seleção e diz que é no campo que se responde a quem desvaloriza a modalidade. Na semana em que chegou aos 50 golos com a camisola do Benfica, a jogadora elogia o trabalho que tem vindo a ser feito no futebol feminino e desafia, quem nunca viu, a dar uma oportunidade ao jogo.
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Kika Nazareth espera que os "holofotes" recebidos, depois do apuramento para o Mundial, tenham chegado para ficar. A O JOGO, a jogadora do Benfica diz aos menos recetivos para verem o que se passa nos relvados.
Os holofotes estão apontados para vocês, estão agora a ter a atenção necessária?
- Acho que até já devia ter sido antes porque as pessoas não podem estar à espera que nós ganhemos o Mundial ou um Europeu. Atingimos o maior passo, a partir daí, as coisas têm de começar a ser vistas de outra maneira. Arrisquem e vejam um jogo. Nós temos competência, o jogo é bonito de se ver. Nós também marcamos golos de letra como eles e pontapés de bicicleta. O que varia é o aspecto físico, mas isso não há nada a fazer. As pessoas desvalorizam muito e dizem que o futebol é para homens: vejam.
Então, não se sente uma mulher num mundo de homens...
- Não, sinto-me uma mulher num mundo de mulheres. Se eu sou competente porque é que tenho de ser vista de forma diferente só porque tenho um cabelo comprido ou uso sutiã. Havendo competência, não deve haver diferença. Sinto-me num mundo de mulheres que está a conquistar um lugar na sociedade que, por causa, do passado é considerado de homens. Mas as coisas estão a mudar, sem dúvida.
Faltam mais clubes a investir em Portugal?
- Se falarmos do FC Porto, uma instituição grande no mundo que pode criar coisas bonitas, havendo a possibilidade da criação de uma equipa feminina, de uma formação feminina... mais jogadoras existirão federadas na modalidade, mais competitividade existirá, mais competitivos serão os jogos, portanto acaba por ser uma bola de neve que leva a uma maior aposta de Federações e de patrocínios, mais dinheiro envolvido até chegarmos ao patamar que devemos chegar e que vamos lá chegar, não tenho dúvidas.
Como é que se altera discursos de condescendência de que algumas jogadoras já se queixaram?
-A grande resposta, e falo de mim como jogadora, tem de ser dada em campo, porque depois acaba por sair um vídeo do que fizemos, e as pessoas começam a apanhar. Mas tudo parte do que fazemos dentro de campo, e por isso, a grande resposta à desvalorização ao nosso futebol tem de ser dada no campo.
Em relação às desigualdades financeiras, que caminho ainda pode ser feito?
- Talvez por falta de maturidade, não gosto de falar deste tema. Mas acho que é uma bola de neve, ou seja, o futebol masculino é uma máquina de fazer dinheiro, por causa da visibilidade, por isso, é normal que eles recebam mais porque geram mais dinheiro. Claro que eu faço os mesmos esforços que o Grimaldo faz ou o Rafa faz, mas somos efetivamente menos geradoras de dinheiro que eles. Acho que o caminho está a ser bem feito, acho que a valorização está a ser feita, pela Federação e pelos clubes. Há um caminho a fazer, ainda há uma diferença abismal que deve começar a ser vista com outros olhos porque não devia ser normal haver esse fosso tão grande. Eu percebo que eles recebam mais, mas é muito diferente. E nós estamos a dar provas de que merecemos mais investimento a nível monetário, ao nível de infraestruturas e ao nível da aposta em si.
Joga na Liga dos Campeões com clubes como o Barcelona que têm outras realidades e enchem estádios. Acha que é possível chegar aí?
- Agora sonho chegar aí, antes nem pensava nisso. Hoje em dia vejo isso a acontecer e que pode ser possível. Tenho ambições para mim a nível individual e coletivos. Esse seria o maior sonho, poder jogar no Estádio da Luz, vestida à Benfica com 60 mil pessoas. Sonho com isso e vou tentar fazer por isso.
A treinadora do Lyon disse que está a acompanhar o seu percurso. Como recebeu essas palavras?
- Aquilo é brincadeira. Sei que sou nova e espero ter um futuro risonho pela frente, mas nunca fui de ter um clube na cabeça. Os meus sonhos vão acontecendo. Mesmo o jogar no Benfica, eu não ponderava isso. Só quando cheguei lá percebi que estava a cumprir um sonho. Tenho a ambição de crescer como jogadora, e claro que, nós tornamo-nos melhores se nos juntarmos aos melhores. Neste momento, eu estou no melhor para mim. E por isso não há que pensar à frente. Para já estou melhor do que nunca.
O que podemos esperar, realisticamente, do Mundial?
- Podem esperar atitude, esforço e amor à camisola. Estando num patamar destes e chegando a este nível, que é a maior competição do mundo. Os jogos não são jogados pelo ranking, tudo pode acontecer e a prova dessa foi o Mundial masculino com a Arábia Saudita a ganhar à Argentina, que acabou por ser campeã do mundo. Nós não podemos desvalorizar um Vietname só porque temos Estados Unidos e Países Baixos no grupo. Os jogos têm de ser encarados da mesma forma. Não se pode esperar uma vitória porque isso não controlamos, mas do que depender de nós, vamos dar tudo para conseguir o melhor possível de cada jogo.
Ganhar o Mundial ou a Liga dos Campeões com o Benfica?
- Não sei responder. O Benfica é o meu clube de coração, talvez se fosse ganhar uma Liga dos Campeões por outro clube qualquer, eu dizia já o Mundial com a Seleção. Mas sendo o Benfica, e sendo a Seleção Nacional, não sei, seriam os dois dias mais felizes da minha vida.