Ignacio Quereda foi visado em relatos de várias antigas e atuais internacionais da 'roja' feminina num controverso livro da jornalista espanhola Danae Boronat
Corpo do artigo
Uma espécie de bomba literária como que rebentou em Espanha. A jornalista espanhola, Danae Boronat, lançou recentemente um livro intitulado "No las llames chicas, llámalas futbolistas" com múltiplos relatos de antigas e atuais atletas sobre atos de assédio sexual em ambiente desportivo.
O visado e caracterizado como o vilão da história, que se recusou a reagir, quando contactado pelo jornal "El Mundo", às acusações (algumas anónimas) descritas ao longo de vários trechos, é Ignacio Quereda, antigo treinador e ex-selecionador espanhol feminino entre 1998 e 2015.
Às páginas tantas, lê-se um testemunho de uma futebolista que, contrariamente à maioria participante, preferiu não ser identificada por Danae Boronat. O episódio descrito ocorreu em pleno balneário da equipa feminina espanhola, antes de uma competição.
"Aconteceu em Valência, onde íamos jogar a fase de grupos. Preparávamo-nos para tomar um banho quando me dei conta que ele estava no meio do balneário. Fazia isto quando tomávamos banho ou quando mudávamos de roupa", revelou a fonte.
Desfolhando o livro "No las llames chicas, llámalas futbolistas", lê-se também o relato de Alicia Fuentes, umas das antigas referências femininas do futebol praticado em Espanha, que remonta à altura em que ainda era menor de idade.
"Estávamos sozinhos [com Quereda] no elevador e deu-me um beliscão no rabo. Não soube como reagir. Tinha 17 anos, era muito tímida, ainda não tinha saído de casa. Como vinha de uma aldeia, ele dizia-me 'sabes como fecundam os galos e as galinhas?' E beliscava-me", contou a antiga atleta.
Também a antiga guarda-redes espanhola, Ainhoa Tirapu, participa na obra causadora de polémica da jornalista Danae Boronat ao recordar a forma como foi, em determinada altura, dispensada da seleção feminina por Quereda.
"Quando me fui despedir dele, com dois beijos, disse-me: 'para a próxima põe o decote para a frente'. Eu tinha uma camisola decotada nas costas, tinha 23 anos. Hoje não o teria permitido, mas naquela época aguentavam-se aquelas coisas", desabafou a ex-guardiã.
Por sua vez, Vicky Lousada, capitã da equipa feminina do Barcelona e internacional espanhola desde os 17 anos de idade, testemunhou contra Ignacio Quereda ao relembrar algumas das palestras de cariz homofóbico e ameaçadoras feitas pelo ex-selecionador.
"'Quero erradicar o lesbianismo e os maus hábitos!', dizia ele. Houve um artigo em que algumas jogadoras assumiram ser lésbicas e deu a entender que se expuséssemos a condição sexual publicamente haveria consequências desportivas", afirmou a jogadora culé.
Ignacio Quereda orientava, já há oito anos, a seleção feminina espanhola de futebol quando um grupo de jogadores internacionais decidiu, por fim, dirigir uma carta de denúncia dos alegados atos do técnico à Federação do país, o que... não surtiu efeito.
"Ele era inamovível. Tentámos três ou quatro vezes mudar as coisas, mas não conseguimos. Dizia que as jogadoras estavam gordas, insultava-as. Nós denunciámo-lo, mas não tivemos apoio. Era um calvário ir à seleção naquela altura", sublinha Pilar Vargas, a primeira mulher espanhola a completar o curso de treinadora.
O livro intitulado "No las llames chicas, llámalas futbolistas" relata ainda, sob testemunho de Vero Boquete, que as atletas que defendiam as cores de Espanha, submetidas a treinos mal preparados e a violência psicológica, eram amplamente destratadas no balneário.
"Esta precisa que lhe metam pimenta no c..." ou "precisas é de um bom macho" foram algumas das expressões de Quereda recordadas, causadoras de sentimentos de tristeza e angústia. "Muitas chorávamos no quarto porque não aguentavamos", admitiu Marta Corredera. "Ele humilhava-nos, aquilo era a sua coutada de caça", juntou Laura del Río.
Em 2015, Ignacio Quereda abandonou o cargo de selecionador espanhol de futebol feminino e, por agora, está a causa uma enorme controvérsia no universo desportivo do país-vizinho.