Enfermeira tem nos relvados um escape: "Se não tivesse o futebol para desligar..."
Iva Moirinho, enfermeira no Hospital de Torres Vedras, faz um relato dramático dos últimos tempos.
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Iva Moirinho dedicou-se ao futebol já em idade sénior. Para além de jogadora, é enfermeira nas urgências de Torres Vedras, uma das unidades hospitalares onde se têm visto filas de ambulâncias nas últimas semanas. Dentro das paredes do hospital, confessa, há um sentimento de impotência.
Em que altura descobriu a paixão pelo futebol?
-Comecei a jogar numa equipa de futsal da escola, com a qual participei num torneio de verão em Peniche, e correu bem. Entretanto, surgiu o convite de irmos treinar à equipa de futebol mais próxima, que era o A-dos-Francos. Fomos lá treinar para ver se gostávamos de futebol, fizemos um treino, gostámos e praticamente ficamos todas lá.
É enfermeira e joga futebol. O que significa o desporto nesta fase complicada da pandemia?
- Trabalho nas urgências de Torres Vedras e estas últimas semanas têm sido difíceis e, para mim, o futebol é um escape. É um sítio onde eu não estou a pensar em como está o serviço, naquilo que os meus colegas estão a passar, em como deixei o turno para os meus colegas, ou em como vou receber o turno quando entrar às 23h30. É uma forma de eu, emocionalmente, me desligar um bocadinho da parte da minha profissão... da enfermagem, do caos. Faz-me bem. No outro dia fui treinar e perguntaram-me como estavam as coisas no hospital e parece que aquele momento, que tinha sido para desligar um bocadinho, já não foi, fez-me pensar "OK, aquilo está muito mau".
Sendo profissional de saúde, de que forma vive este momento?
- Tenho noção que se não tivesse o futebol para de vez em quando desligar desta realidade dura que está a ser a nível profissional, estaria muito mais esgotada emocionalmente. Ser enfermeira é o cuidar do outro e tem sido muito difícil, porque nós não conseguimos chegar a todos, não conseguimos fazer tudo. É sair do hospital e pensar que "eu não consigo fazer mais e queria ter feito mais", é muito mau e cada vez mais tem sido esse o sentimento cada vez que saímos.
Voltando ao futebol, como é que foi a experiência no A-dos-Francos?
- Foi muito boa. Foi uma família para mim, daí ter jogado lá tanto tempo e ter sido tão difícil quando tive de me desvincular. Foi lá que aprendi a gostar de futebol. Nesse período ainda fui para a faculdade, fui de Erasmus e eles sempre me apoiaram, sempre me deixaram a porta aberta para conseguir conciliar as duas coisas. Foi muito gratificante. Tivemos épocas muito boas, principalmente o ano em que conseguimos a subida à Liga BPI e chegámos às meias-finais da Taça de Portugal. A primeira temporada na I Divisão também foi muito boa. Ficámos no segundo lugar e estivemos quase o campeonato todo em primeiro, perdemos nas últimas três jornadas, mas também éramos uma equipa muito jovem. E agora eu consigo ver isso. A parte da maturidade também é muita importante nesse sentido.
Atualmente está no Torreense. Como está a ser esta passagem?
- Estou a gostar. Quando saí do A-dos-Francos foi porque o clube não acompanhou a evolução em termos de propostas e condições. E as outras equipas, nesse sentido, acompanharam. Tive a proposta do Torreense, na altura para o segundo escalão, mas com ambição de subir, e aceitei. Gostei muito do projeto que me apresentaram na altura e foi mesmo por isso que mudei. Apesar de ser uma equipa recente no futebol feminino, quis investir logo na primeira época. Embora tenha surgido a covid-19, conseguimos subir e estávamos a fazer um bom trabalho. Este ano também conseguimos o nosso objetivo, que era ficar nas quatro primeiros e estou a gostar muito da experiência.
Quais as expectativas para a fase de campeão?
- Queremos sempre ganhar, mas temos noção que é difícil, porque grande parte das equipas que vamos defrontar são profissionais e têm uma estrutura diferente da nossa. Neste momento, estamos com muitas baixas na equipa, com muitas jogadoras lesionadas, que não sabemos quando poderão contribuir dentro de campo.
O futuro passa por onde?
Queria conseguir conciliar, como tenho feito até agora, a minha profissão com o futebol. Sei que cada vez é mais difícil. Não só pela exigência que tenho a nível profissional, pelo desgaste que é, mas também pela exigência do próprio futebol, porque está a crescer e cada vez mais vão querer profissionalizar clubes.