Terá a matemática exagerado e falhado as previsões sobre a pandemia de covid-19?
Num extenso artigo, publicado em diversos órgãos de comunicação social, Fareed Zakaria aponta para um facto: a percentagem da letalidade da doença covid-19 tem vindo a descer.
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Estará a matemática a falhar as previsões sobre o poder da pandemia provocada pelo novo coronavírus? A pergunta é o pontapé de saída de um artigo de Fareed Zakaria, conhecido jornalista da CNN e autor do GPS, um mais conceituados programas daquela cadeia de televisão dos Estados Unidos.
Num extenso artigo, publicado em diversos órgãos de comunicação social, Zakaria aponta para um facto: a percentagem da letalidade da doença covid-19 tem vindo a descer. Os Estados Unidos, por estes dias o país com mais infetados, é dado como o exemplo.
"A 31 de março, a Casa Branca estimou que, mesmo com políticas de distanciamento social, entre 100 a 240 mil americanos morreriam de Covid-19. Anthony Fauci [Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas] indicou recentemente que as estimativas do Governo serão em breve revistas e atualizadas em baixa", pode ler-se.
O modelo da Universidade de Washington, que fez a previsão da propagação do coronavírus e foi citado pela Casa Branca, apontava a 26 de março - partindo do princípio de que as medidas de afastamento social seriam mantidas até 1 de Junho - para que nos próximos quatro meses viessem a morrer 81 mil pessoas. Ora, escreve Fareed Zakaria, "a 8 de abril, após mais cinco revisões", a previsão para pouco mais de 60 mil. Um número que, refere o jornalista, é mesmo que, estima-se, terá morrido de gripe na época de 2019-2020.
Outros números apresentados neste artigo:
- A 30 de março, investigadores da Universidade de Washington previram que a Califórnia precisaria de 4 800 camas de cuidados intensivos até 3 de abril. Precisou de 2 200.
- O mesmo modelo previa que a Louisiana precisaria de 6 400. Utilizou 1 700.
- Nova Iorque necessitou de 15 000 camas das 58 000 projetadas.
Há razões para estas diferenças, refere o artigo. As previsões matemáticas foram feitas com os dados possíveis, muitos que chegaram inicialmente da China e da Itália.
"Um grupo de académicos da Universidade de Stanford considera que a razão básica pela qual as estimativas de morte tiveram de ser revistas em baixa é que, sem testes de diagnóstico generalizados da população desde o início, não conseguiram detetar quantos casos ligeiros ou assintomáticos haveria. Isto significa que o denominador - aqueles que foram infetados - é superior às estimativas iniciais e que a taxa de mortalidade por Covid-19 é inferior (se duas em cada 100 pessoas com o vírus morrerem, a taxa de mortalidade é de 2%; se duas em cada 1000 morrerem, é de 0,2%)", refere Fareed.
"Em março, a Organização Mundial de Saúde anunciou que 3,4% das pessoas com o vírus tinham morrido. Esta seria uma taxa de mortalidade surpreendentemente elevada. Fauci sugeriu, uma semana depois, que a taxa real de mortalidade era provavelmente 1%, ainda 10 vezes superior à da gripe. Desde então, aprendemos que muitas pessoas, talvez até metade, não têm quaisquer sintomas. Alguns estudos sugerem que 75-80% das pessoas infectadas podem ser assintomáticas. Isto significa que a maioria das pessoas infetadas com o vírus nunca irão a uma clínica e nunca aparecerão nas estatísticas dos casos", acrescentou.
Fareed Zakaria cita ainda John Ioannidis, da Universidade de Stanford, um epidemiologista especializado na análise de dados. "Quando se tem um modelo que inclui crescimento exponencial, se se comete um pequeno erro com os números, acaba-se com um número final que pode ser 10, 30 ou mesmo 50 vezes superior [ao real]".
Ioannidis refere ainda que apenas em três ocasiões foram feitos testes de diagnóstico a toda uma população: o navio de cruzeiro Diamond Princess, a cidade italiana de Vo Euganeo e San Miguel County, Colorado. "Em todos estes locais, o número de infeções (muitas sem sintomas) - quando ajustadas à população dos EUA como um todo - sugere uma taxa de mortalidade semelhante à da gripe sazonal. E acrescenta que o mesmo pode ser aplicado aos dados da Islândia e da Dinamarca, que aplicaram uma política de testes aleatórios à população.
"Se eu tivesse de fazer um palpite, utilizando apenas os dados dos testes limitados que fizemos, diria que o covid-19 deixará menos de 40.000 mortos esta época nos Estados Unidos", conclui o epidemiologista citado pelo jornalista da CNN.