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>Ronaldo expõe azia do balneário
A única frase que Cristiano Ronaldo soltou no fim do jogo foi acutilante como ele não conseguiu nunca ser em campo - ou como foi apenas a caminho dos balneários, mas por razões menos educadas: ao ter diante de si um operador de câmara que procurava filmar um dos rostos de desilusão, cuspiu assim que pôs os olhos na objectiva. A dificuldade de encaixar a derrota manifestou-se por palavras já de banho tomado: "Como é que se explica esta derrota? Falem com o Carlos Queiroz!" A interpretação destas contundentes e aziagas palavras provocaria de imediato uma onda de choque, com o CR7 a sentir-se por isso na obrigação de se explicar alguns minutos depois, usando para tal o sítio da Gestifute, a empresa que o representa. "Estou estupefacto", dizia o capitão português, ele que já durante o jogo tinha tido gestos de desespero - após as entradas de Pedro Mendes e Liedson, substituições sem risco, abriu mesmo os braços para o banco, em jeito de incompreensão. "Quando disse para perguntarem ao treinador, foi simplesmente porque Carlos Queiroz estava na conferência de Imprensa e os jornalistas podiam escutar as suas explicações, porque eu não me sentia em condições para explicar o que quer que fosse", acrescenta Ronaldo, confessando-se destroçado. "Estou desolado. Sou um ser humano, estou a sofrer e tenho o direito de sofrer sozinho. Jamais pensei que aquela simples e inocente frase provocasse tanta polémica", acrescentava, aproveitando ainda o jornal espanhol "AS" para se desculpar: "A culpa não é só do Queiroz. Também é dos jogadores."
Tudo esclarecido... ou talvez não. A verdade é que, fazendo contas aos desmentidos deste Campeonato do Mundo (casos Nani e Deco, por exemplo), o que se conclui é que alguém andava com dificuldades de expressão ou então algo estava - ou está - realmente mal. Isto apesar de Tiago garantir convictamente que o grupo "está unido", de Liedson jurar que "não houve desentendimentos" no balneário ou de o irreverente e sincero Fábio Coentrão dizer que não sabia de nada e que também não queria saber - os três reagindo às palavras de Cristiano Ronaldo. Quem não esteve com meias-palavras e criticou o capitão foi António Simões, um dos heróis da campanha dos Magriços no Mundial de 1966, exigindo "maior sentido de responsabilidade" ao homem que enverga a braçadeira: "O capitão de equipa tem responsabilidades acrescidas e sempre que presta declarações tem de ser consentâneo e coerente com o estatuto e responsabilidade que tem."
Até porque, com maior ou menor bondade, não foi só o CR7 que se mostrou corrosivo na hora do adeus, havendo mais quem expusesse a azia do balneário e mostrasse discordância em relação às opções do seleccionador nacional. Hugo Almeida, por exemplo. Jogador de um profundo espírito de grupo, sempre avesso a polémicas, o avançado do Werder Bremen garantia no final que, quando saiu, não se sentia esgotado - negando assim o argumento que Queiroz apresentara para o tirar. E Deco, ao ser questionado sobre o ambiente que deixava na Selecção Nacional, ele que diz "adeus" para nunca mais voltar, não falava em nomes, mas também não precisava: "Que ambiente deixo? Entre os jogadores, bom..." Para bom entendedor, meia palavra basta.