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Portugal saiu ontem do Campeonato do Mundo sem deslustrar, perdendo com uma Espanha que lhe é superior no ranking e lhe foi também superior em jogo jogado, mas com um gosto amargo a frustração na boca, pois a ideia que ficou foi a de que a vitória esteve ao alcance dos jogadores nacionais. Bastar-lhes-ia ter prolongado pelo segundo tempo a actuação dos primeiros 45 minutos, em que secaram a fonte do futebol espanhol com uma boa estratégia defensiva e conseguiram até boas combinações de ataque. Só que, como sucedeu em quase todos os jogos deste Mundial, a Selecção falhou na segunda fase do seu jogo, quando tentou meter em campo o plano para atacar; primeiro porque não finalizou bem, depois porque lhe faltou um Ronaldo com capacidade para ser decisivo e, finalmente, porque se desuniu quando mudou a composição do ataque.
A história do jogo tem um pouco a ver com o que se passou ao minuto 58: Carlos Queiroz chamou ao relvado Danny e tirou Hugo Almeida, que estava a ser a unidade de melhor rendimento das três da frente, face ao jogo mais apático de Simão e à noite desastrada de Ronaldo. O plano estava assim desenhado desde o início, revelou o seleccionador no final, mas deveria ter sido alterado em função do que se passava no campo: ainda cinco minutos antes, Hugo Almeida ganhara em velocidade a Piqué e cruzara para o que quase foi um autogolo de Puyol, na última grande ocasião de perigo de Portugal. A partir daí, a equipa portuguesa não mais se encontrou do ponto de vista ofensivo. Muito em função, é verdade, da alteração que a Espanha fazia ao mesmo tempo: fora Torres, que, de tanto se movimentar para o corredor direito, nunca deu à equipa a profundidade atacante de que esta necessitava para meter no jogo Iniesta e Xavi; dentro Llorente, um ponta-de-lança mais posicional que fixou os centrais portugueses e, com isso, encontrou o espaço para os dois minimagos catalães. Nem de propósito, cinco minutos mais tarde os dois combinaram para isolar David Villa na cara de Eduardo: o guarda-redes luso, autor de uma exibição notável, ainda defendeu o primeiro remate, mas foi impotente para travar a recarga, tão bem colocada que ainda resvalou na trave antes de entrar.
Foi esse o momento que virou o jogo, porque até aí, com excepção dos primeiros cinco minutos, Portugal tinha sido superior. A equipa portuguesa, que surgira com Ricardo Costa a defesa-direito e Hugo Almeida no centro do ataque, cedendo os flancos a Ronaldo e Simão, defendia de forma diferente do que fizera contra o Brasil: menos ordenada, distinguindo pior as linhas do seu 4x1x4x1, mas com Tiago ou Raul Meireles a saírem sempre ao encontro do jogador espanhol que baixava para presidir à organização ofensiva, fosse ele Xavi ou Xabi Alonso. Como Torres não dava a tal profundidade atacante à Espanha, a linha mais recuada de Portugal podia aproximar-se desta primeira zona de pressão e, depois de três remates em sete minutos (um de Torres e dois de Villa) na meia esquerda, todos detidos por Eduardo, foi Portugal quem passou a causar mais perigo. Os espanhóis tinham mais bola, mas perdiam-na invariavelmente quando tentavam aproximá-la da área e, mesmo não saindo tão bem como podia em transição rápida, a equipa nacional esteve perto do golo por Tiago (remate da entrada da área detido a custo por Casillas, aos 21') e Hugo Almeida (cabeceamento a cruzamento de Raul Meireles, aos 39'.
O intervalo chegou com o jogo a sorrir a Portugal, com Eduardo brilhante sempre que era chamado, os dois centrais seguros, Coentrão a mostrar fulgor na esquerda e Meireles muito bem nas intercepções. Faltava, à equipa nacional, uma faísca no ataque, a tal faísca que nem Ronaldo nem Simão lhe conseguiam dar e que Hugo Almeida ainda era o único a ameaçar. Percebia-se por isso a entrada de Danny, que acelerou o aquecimento assim que as equipas regressaram para o segundo tempo, mas não a saída do atacante do Werder Bremen. E como é natural, a sucessão de acontecimentos que se seguiu à substituição obrigou Queiroz a mexer de novo. Primeiro porque, a perder, a equipa se desuniu, se esticou em demasia, fruto da ansiedade, da vontade de fazer depressa o que não fizera até então, e por isso se impunha a chamada de um médio que desse estabilidade ao jogo ofensivo nacional (saiu Pepe e entrou Pedro Mendes); depois porque voltava a fazer falta um ponta-de-lança, de modo a libertar Ronaldo da tarefa que o treinador lhe atribuíra desde o fatídico minuto 58 (saiu Simão e entrou Liedson). Mas era tarde para mudar, até porque, na frente do marcador, a Espanha passou a ter a tranquilidade que faltava no 4x4x2 que Portugal passou a adoptar e a dar objectividade à sua boa circulação de bola.
Até final, além da expulsão de Ricardo Costa por dar uma cotovelada em Capdevila numa bola parada, só o ataque espanhol meteu lances dignos de registo no relatório do jogo. Sergio Ramos, Villa e Llorente ainda ameaçaram um 2-0 que nem espanhóis nem portugueses mereciam, mas o jogo chegou ao fim na margem mínima que manteve a honra nacional e, ainda assim, permite que se construa algo sobre aquilo que se fez neste Mundial. A começar pela forma de chamar o verdadeiro Cristiano Ronaldo aos jogos da Selecção. Aquele que esteve ontem em campo era um sósia.
Jogo no Estádio Green Point, na Cidade do Cabo
Espanha,1-Portugal,0
Espanha: Iker Casillas, Sergio Ramos, Gerard Piqué, Carles Puyol, Joan Capdevila, Sergio Busquets, Xabi Alonso (Carlos Marchena, 90+3), Xavi Hernandez, Andrés Iniesta, David Villa (Pedro Rodriguez, 88) e Fernando Torres (Fernando Llorente, 59).
(Suplentes: Victor Valdês, Pepe Reina, Raul Albiol, Carlos Marchena, Álvaro Arbeloa, Cesc Fabregas, Javier Martinez, David Silva, Juan Manuel Mata, Pedro Rodriguez, Fernando Llorrente e Jesus Navas)
Portugal: Eduardo, Ricardo Costa, Bruno Alves, Ricardo Carvalho, Fábio Coentrão, Pepe (Pedro Mendes, 72), Raul Meireles, Tiago, Simão (Liedson, 72), Cristiano Ronaldo e Hugo Almeida (Danny, 58)
(Suplentes: Beto, Daniel Fernandes, Miguel, Paulo Ferreira, Rolando, Duda, Pedro Mendes, Miguel Veloso, Ruben Amorim, Deco, Danny, e Liedson)
Ao intervalo: 0-0Marcador:1-0, David Villa, 63 minutos