O controlo das sociedades anónimas desportivas (SAD) está a fugir dos clubes que as fundam e acabam por ceder a maioria do capital social e, consequentemente, o poder de decisão a investidores que, depois, se revelam insensíveis aos anseios dos dirigentes eleitos pelos adeptos. Os problemas agudizam-se quando escasseiam os resultados desportivos e/ou começam os incumprimentos financeiros. A lista de incompatíveis já é longa.
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A dissonância entre SAD e clubes tem crescido no futebol português, em resultado da entrega do poder de decisão a empresas e investidores individuais, vários deles estrangeiros.
Adeptos de norte a sul têm sido surpreendidos com desentendimentos entre o seu clube e a sociedade anónima desportiva (SAD) que tomou conta do futebol profissional, a ponto de coexistirem equipas representativas de cada entidade, mas sem relação entre elas. O estranho fenómeno deve-se ao facto de as SAD - dominadas por investidores, cujo objetivo é lucrar - assumirem o controlo total do futebol, uma espécie de SADismo que torna irrelevante a vontade das Direções dos clubes.
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Contudo, os problemas entre as SAD e os clubes fundadores podem não derivar diretamente do "regime jurídico equilibrado", como defende o especialista em Direito do Desporto João Nogueira da Rocha, mas dificilmente poderão ser desligados da "falta de sanções para o incumprimento", como apontam a O JOGO Fernando Veiga Gomes e Patrícia Aguilar, ambos juristas da Abreu Advogados. Veiga Gomes e Patrícia Aguilar, falam de uma lei "mal feita, porque impõe obrigações para ambas as partes, mas sem consequências para quem não a respeita". E exemplificam com as falhas no pagamento da obrigatória justa contrapartida pela utilização do estádio, o afastamento das decisões do administrador nomeado pelo clube ou mesmo decisões contrárias à vontade do clube, apesar de este ter direito de veto nelas, que têm passado incólumes. Pior, não há previsão do que acontece ao nome e à marca quando um clube deixa de ser acionista da SAD, o que é possível, pois a lei apenas o obriga à posse de 10% do capital aquando da constituição da sociedade. Esta quota mínima, apontam os juristas da Abreu Advogados, também se pode tornar um problema, sempre que os investidores pretendam aumentar o capital da SAD e o clube seja incapaz de acompanhar.
Patrícia Aguilar e Veiga Gomes alertam para a falta de verificação prévia da origem do dinheiro que vem do exterior, colocando em causa a integridade das competições.
Concomitantemente, Patrícia Aguilar e Veiga Gomes alertam para a falta de verificação prévia da origem do dinheiro que vem do exterior, colocando em causa a integridade das competições. "Qualquer criminoso internacional pode ser administrador de uma SAD em Portugal", releva Veiga Gomes. Mais benevolente com a legislação portuguesa, Nogueira da Rocha, árbitro do Tribunal Arbitral do Desporto (TAS), sediado em Lausana (Suíça), prefere identificar a origem dos problemas nas "opções estratégicas pouco ponderadas. Nas sociedades anónimas, a maioria qualificada é de 66%. Significa isto que, com esta percentagem de capital, o detentor tem um poder quase absoluto na gestão da sociedade", uma realidade que tem sido subestimada pelas Direções dos clubes, pressionadas pelos investidores que, "aquando da aquisição, só o fazem se garantirem esta posição societária".
Os conflitos surgem "quando os resultados desportivos não são bons. Começam a ser questionadas as opções e daí, rapidamente, se passa para um plano pessoal, entre os dirigentes de ambas as entidades (SAD e clube)", escalpeliza Nogueira da Rocha. "Surgem, igualmente, problemas ao nível dos acordos parassociais, designadamente quanto ao pagamento pela utilização das instalações. O funcionamento da administração também gera muitas vezes desconforto na Direção do clube, cujo representante na SAD não tem qualquer papel relevante nas decisões e chega a ser ostracizado", resume o jurista da MRGL Advogados.
"De outra forma, as SAD não seriam interessantes para os investidores, que dificilmente investiriam numa sociedade que não pudessem gerir"
Na ótica de João Nogueira da Rocha, os limites à autonomia das SAD previstos na legislação portuguesa são adequados, como sejam as alterações da localização da sede ou dos símbolos do clube (emblema e equipamento), nas quais o voto do clube é decisivo. "No entanto, todas as questões de controlo, gestão e planeamento estratégico cabem aos administradores delegados pela sociedade que tem a maioria do capital social. De outra forma, as SAD não seriam interessantes para os investidores, que dificilmente investiriam numa sociedade que não pudessem gerir", conclui Nogueira da Rocha.
UM ROL DE CONFLITOS E IMPASSES
CLUBE DE FUTEBOL «OS BELENENSES» X BELENENSES FUTEBOL SAD (BFS)
Patrick Morais de Carvalho x Rui Pedro Soares/Codecity
O litígio atingiu o zénite com o clube a anunciar a criação de uma equipa amadora para competir nos campeonatos da AF Lisboa. A BFS, impedida de atuar no Estádio do Restelo, continua na I Liga e já recebeu o campeão FC Porto e, o V. Setúbal no Estádio Nacional, a sua nova casa. A BFS foi também admitida pela FPF como fundadora da nova Liga Revelação, para jogadores sub-23.
LEIXÕES SPORT CLUBE X LEIXÕES SAD
Duarte Anastácio x Paulo Lopo/Playfair
O presidente do clube é acusado de querer adquirir, a título individual, a maioria do capital da SAD. Por sua vez, o presidente da SAD autossuspendeu-se, por ser candidato a idêntico cargo no Sporting, aquando da candidatura de Rui Rego à presidência do clube. Após cenas de violência no final do jogo para a II Liga com o Varzim, no Estádio do Mar, no dia 19 de agosto, a SAD retirou o apoio à claque, acusando-a de estar ao serviço da Direção do clube.
ATLÉTICO CLUBE DE PORTUGAL X SAD DO ATLÉTICO
Ricardo Delgado x Nelo Vingada/Anping
A declaração de insolvência da SAD - detida maioritariamente (70%) pelo grupo chinês Anping desde 2013, quando a equipa disputava a profissional Liga2, e que foi desclassificada do Pró-Nacional da AF Lisboa em setembro de 2017 - permite ao clube voltar a projetar o futebol profissional na sua órbita. Para já, a equipa sénior disputa a Divisão de Honra da AF Lisboa.
SPORT CLUBE BEIRA-MAR X BEIRA-MAR SAD
Hugo Coelho x Omar Scafuro (Itália)*/Pieralisi
Decorreram apenas quatro épocas entre a constituição da SAD, em 2011, e a despromoção dos campeonatos profissionais, em 2015, após um processo de insolvência iniciado em janeiro e consumado no final do ano. Apesar da 10.ª posição, o Beira-Mar foi incapaz de cumprir os requisitos para continuar na II Liga ou, sequer, no Nacional de Seniores. A principal equipa
compete agora na Divisão de Elite da AF Aveiro.
*No final de 2013, adquiriu 85% do capital, a participação da 32Group, do iraniano Majid Pshyar, primeiro presidente da SAD.
UNIÃO DESPORTIVA DE LEIRIA X U. LEIRIA SAD
Nuno Cardoso x Alexander Tolstikov (Rússia)
Em dificuldades financeiras e em conflito com a empresa municipal Leirisport, a SAD mudou-se
para Torres Novas, em 2011/12. Despromovida das competições profissionais no final da época,
acabou por ser adquirida, em 2014, por um antigo jogador e empresário russo, nascido na
república soviética da Moldávia. Tolstikov foi detido, em maio de 2016, suspeito de vários
crimes financeiros. A equipa sénior, regressada ao Estádio Magalhães Pessoa, disputa a Série C
do Campeonato de Portugal, havendo harmonia entre SAD e clube.
FUTEBOL CLUBE DE PENAFIEL X PENAFIEL SAD (EM CONSTITUIÇÃO)
António Gaspar Dias x Domingos Garcia**/Gradual Score
A proposta de um milhão de euros, da Gradual Score, para a aquisição de 90% do capital social da SAD a constituir (a partir da existente Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas) foi aprovada a 23 de julho, mas mereceu forte contestação dos sócios, levando à demissão dos
órgãos sociais em bloco e à suspensão do processo. Gaspar Dias foi reeleito quinze dias
depois, a 21 de agosto. A equipa principal disputa a II Liga.
**Com o processo de constituição da SAD suspenso, o genro de Joaquim Oliveira nunca assumiu funções.
CLUBE DESPORTIVO DA COVA DA PIEDADE X CDCP - FUTEBOL SAD
Paulo Veiga x Kuong Chong Long (China)/CADI
Reconhecendo dívidas ao clube, acumuladas desde a sua constituição, em 2016, a SAD - com 90% do
capital detido pela Cadi, empresa sediada em Macau, controlada por Long - está em conflito aberto (assumido pelo porta-voz, Ji Yi) com Direção do clube, reeleita em maio, com 54% dos votos. O arranque da SAD deu-se na época da participação piedense nas competições profissionais (II Liga).
SPORTING CLUBE OLHANENSE X SAD DO OLHANENSE
Isidoro Sousa x Luigi Agnonlin (Itália)
O antigo árbitro internacional italiano assumiu a presidência da SAD em março de 2016 e, em maio do ano seguinte, consumada a despromoção ao Campeonato de Portugal (onde se mantém, na
Série D), após 13 anos nos escalões profissionais, acusou o presidente do clube de "populismo" e hostilidade. Isidoro Sousa retorquiu com "prepotência", dívidas e erros de gestão da SAD. Retido em Itália por doença grave desde o início deste ano, Agnolin deixou de poder gerir a SAD e vários jogadores rescindiram por salários em atraso.