Reportagens

Grandes ondas de turistas e milhões na Nazaré

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Em menos de dez anos, a vila de pescadores passou a ser local de eleição para os maiores big riders mundiais, que procuram superar limites na Praia do Norte. Ao ser reconhecida internacionalmente, a Nazaré ganhou uma grande procura turística e um novo fôlego económico

Ainda não se sabe se a onda surfada por Hugo Vau na Praia do Norte, a 17 de janeiro, resultará em novo recorde mundial, apontando-se a uma "bomba" de 35 metros, mas o certo é que a Nazaré voltou às bocas do mundo, tal como em 2011, quando o feito de Garrett McNamara até foi capa no britânico "The Times". Em menos de dez anos, a vila de pescadores, que tem cerca de 15 mil habitantes, estabeleceu-se como a nova Meca da vertente mais arriscada do surf e passou a ser a segunda casa de nomes como Ross-Clark Jones, Maya Gabeira, Rafael Tapia, Alessandro Marciano, Toby Cunningham, João de Macedo, Alex Botelho ou Hugo Vau, que chegam a passar ali todo o inverno, à espera do dia em que possam superar os limites. "Toda a gente pensava que as ondas grandes estavam nos Estados Unidos e foi complicado convencer o mundo de que afinal não era assim", conta Vau a O JOGO.

Com os surfistas rendidos ao local, a Nazaré ganhou nova vida e um fôlego económico inesperado. Uma investigação da Fundação Gulbenkian revelou que o impacto das ondas gigantes foi de cerca de 10,4 milhões de euros, entre 2011 e 2014, altura em que ainda nem se tinha dado o "boom" atual. Mas este é o estudo mais recente de que a Câmara Municipal dispõe, embora tenha outros dados que mostram que este destino está mesmo na moda.

Desde que foi reaberto, em 2015, o Forte de São Miguel, palco privilegiado para a observação dos surfistas, já recebeu 420 mil turistas (174 mil no ano passado) e o Ascensor da Nazaré, que liga a Praia ao Sítio (a parte mais alta da vila), foi utilizado por quase um milhão de pessoas. A Praia do Norte é marca registada, contando com uma coleção que vai desde as lembranças aos artigos específicos da modalidade, tendo gerado 300 mil euros de receitas em 2017.

No futuro, o fenómeno deverá ser ainda maior, graças às redes sociais e à rapidez com que a informação circula, até porque se soube recentemente que, em 2017, a World Surf League, responsável pelas principais competições de surf - entre elas o circuito mundial de ondas grandes, a que pertence o Nazaré Challenge - foi a terceira a nível mundial com mais interações sociais e visualizações, apenas atrás da NFL e NBA. Por isso, para o presidente da autarquia, Walter Chicharro, não restam dúvidas: "As ondas gigantes dão uma capacidade de comunicação brutal à Nazaré."

De McNamara ao "boom" da popularidade

Estudadas há mais de 20 anos, as ondas grandes da Praia do Norte são fruto de uma falha na placa continental com cerca de 170 quilómetros de comprimento e cinco quilómetros de profundidade e foram incluídas num projeto que o anterior executivo camarário elaborou em 2010, para potenciar a vila. Vários surfistas internacionais foram convidados a conhecer a Nazaré, mas apenas um respondeu afirmativamente: Garrett McNamara. Na época, o americano já era conhecido por ter vários prémios XXL Awards (uma espécie de Óscares das ondas grandes). "Em 2011, bateu o recorde do mundo, o que foi um grande impulso. Atrás dele, vieram os outros", resume Walter Chicharro.

Instalada a euforia, o passo seguinte foi criar condições para sediar mais surfistas, sendo possível dizer que, hoje em dia, não falta nada a quem chega pela primeira vez. "Têm apoio para procurar casa, identificar um restaurante para fazerem refeições, saberem se há lavandarias para tratar da roupa, alugarem um armazém no porto...", exemplifica o autarca.

Da caminhada de sucesso faz também parte a entrada no Big Wave Tour, em dezembro de 2016. "Depois de ter sido eleito, em 2013, comecei logo a desafiar o Francisco Spínola [WSL Portugal], durante o Mundial de surf em Peniche, a incluir a Praia do Norte no circuito", recorda Chicharro, adiantando que a edição de estreia gerou 7,2 milhões de euros de retorno em marketing e publicidade.

Ainda referente à época de 2017, o segundo Nazaré Challenge está neste momento em período de espera, até ao próximo dia 28. Assim que existir a previsão de boas ondas, os surfistas terão 72 horas para chegar à Praia do Norte e competir. João de Macedo é o representante luso em prova, tendo sido finalista em 2016. "Depois de me ter qualificado novamente para o Mundial, passei ainda mais tempo na Nazaré para preparar a etapa. É dos lugares mais incríveis do planeta. Há tantos dias de treino de ondas gigantes, é impressionante", refere o surfista.

Praia do Norte já ganhou dois "Óscares"

Desde o recorde de Garrett McNamara (23,77 metros a 1 de novembro de 2011), a ondulação de Nazaré é cada vez mais reconhecida internacionalmente e presença assídua nos XXL Awards, que anualmente distinguem os desempenhos mais impressionantes. Em 2017, onze das 40 ondas nomeadas tinham sido apanhadas na Praia do Norte, tendo quatro sido finalistas na categoria de "Maior Onda do Ano". A vitória foi do italiano Francisco Porcella, tendo sido a segunda vez que a vila saiu premiada destes Óscares, havendo agora grande expectativa em torno do feito recente de Hugo Vau. No entanto, ainda não há uma forma científica que permita calcular o tamanho exato das ondas e pode ser difícil concluir se houve ou não recorde. Miguel Moreira, da Faculdade de Motricidade Humana, é um dos investigadores que tem procurado aperfeiçoar um método de medição. "Utilizamos a altura do surfista como referência de escala. Como a onda está sempre em movimento, fazemos 10 tentativas de medida para chegar a um valor médio. Um dos problemas é identificar a base da onda. Se nos afastarmos desse ponto, o cálculo é logo alterado", explicou.