Reportagens

Em Gaia faz-se o Dakar como nunca foi feito

Fábio Poço

É português o estúdio encarregue de desenvolver um dos jogos mais esperados do ano, o Dakar 18. Com um investimento de três milhões de euros, a Bigmoon promete lançar o videojogo que ainda ninguém conseguiu fazer

Terminouesta sábado, em Córdoba, na Argentina, a edição 2018 do Dakar, o mais mítico de cross-country do mundo, mas não será preciso esperar um ano inteiro para sentir a emoção dos carros, motas, camiões, quads e utvs. Algures no verão chegará ao mercado o Dakar 18, um videojogo que está a ser inteiramente desenvolvido em Vila Nova de Gaia pela Bigmoon, uma empresa que se preparou durante oito anos para este projeto. "A nossa estratégia inicial passava por sermos prestadores de serviços nos primeiros anos. Em 2011, criámos os tracks e os veículos para o WRC3, depois para o MotoGP13, depois o WRC5. Mas em 2015 definimos que iríamos passar a trabalhar em produtos próprios, alguns criados por nós, outros que são IP (Propriedade Intelectual) de outros. É o caso do Dakar, que negociámos de forma exclusiva e para todo o mundo para os próximos três anos, 2018, 2019 e 2020", sublinha Paulo Gomes, CEO da empresa.

A divulgação das primeiras imagens foi feita há apenas alguns dias, no rali Dakar, e gerou logo um enorme feedback por parte dos apaixonados dos videojogos, com o trailer a ser visto por cerca de 1,5 milhões de pessoas. Paulo Gomes promete um jogo que nunca foi feito. "A experiência adquirida por parte da nossa equipa nos jogos anteriores foi essencial para conseguirmos o Dakar. Este jogo é um simulador de rali, claro, mas muito particular. Vai ter um gameplay único. O Dakar é um cross-country único, tem de se adaptar a várias realidades, de carro, mota, camião... No passado, todas as abordagens feitas ao Dakar foram iguais a um WRC, mas no deserto. Isso não é o Dakar. Não teria sentido fazer mais uma versão de um jogo. Temos de fazer algo diferenciador. Claro que, em termos gráficos, vamos ter carros bem desenhados, tão bons como os melhores. Mas quem comprar este jogo vai poder explorar o mundo, ter uma experiência que não existe", explica.

Para obedecer às exigências de utilizadores que poderão conduzir um carro, uma mota ou um camião, os programadores da Bigmoon tiveram de desenvolver uma tecnologia própria que gerisse a física para simular corretamente o comportamento de cada veículo em múltiplos terrenos. "Os carros comportam-se de forma diferente numa duna de areia mole ou noutra de areia dura. Na lama ou no alcatrão", lembra Paulo Gomes, que viajou até ao Peru para acompanhar as primeiras etapas da prova deste ano.

Os grandes fatores diferenciadores deste jogo prometem ser o terreno e um aspeto importante no Dakar: a navegação. "Vamos ter um roadbook real. O jogador terá de seguir o mapa dado para chegar aos pontos de referência e pode acontecer que se perca a meio da etapa. Para isso ser possível, tivemos de desenhar um terreno a 360 graus. A competição no Dakar não é numa pista, não tem um trajeto. Cada piloto tem de o encontrar através da navegação. Por isso era difícil investir nesta área, que é muito complexa. Estamos a falar em milhares de quilómetros quadrados." Até agora, quando ainda faltam mais de dois meses para terminar o desenvolvimento do jogo, os programadores da Bigmoon já replicaram mais de 15 mil quilómetros quadrados, uma área equivalente aos distritos de Beja e Faro juntos. Tudo isto fará deste jogo um dos maiores do mundo. "Em termos de tamanho, cada etapa do Dakar"18 será o equivalente, em território, a doze GTA V, um jogo que já é enorme. Claro que não teremos a complexidade do terreno urbano, mas, dentro do jogo, o piloto pode ir para qualquer lado."

O rali deste ano atravessou três países, Peru, Bolívia e Argentina, num total de 4329 km cronometrados. Para captar essa imensidão de terreno, a Bigmoon recorreu às imagens da NASA que são usadas para replicar o percurso da prova. "O jogo vai respeitar a cartografia do terreno onde os concorrentes passaram, onde estavam situados os bivouacs. Quisemos manter sempre o respeito pelas características do terreno, vegetação e tipo do solo. Ao longo do Dakar, a paisagem evolui e estamos a focar-nos nestas área. Ano após ano, esta área será aprofundada", garante o líder de uma equipa de 50 pessoas dedicada a um projeto cujo investimento ronda os três milhões de euros.

O Peugeot 2008 de Peterhansel ou Carlos Sainz, o Mini X-Raid, de Mikko Hirvonen, ou a KTM de Sam Sunderland são apenas alguns dos veículos que vão estar disponíveis na versão do jogo, adaptável para PC, Xbox e PS4. Tudo oficial, do melhor que há. "Vamos ter os principais carros, motas, camiões. É tudo oficial. Todos os pilotos no jogo são oficiais. São réplicas da realidade. Será impossível representar todos os inscritos, mas obviamente teremos sempre as equipas mais mediáticas. Depois, haverá uma ou outra não tão mediática. Por exemplo, vamos ter pilotos femininas, para garantir diversidade."

Outro garante deste projeto é a jogabilidade em termos de tempo. Se fosse respeitada a escala real de uma etapa, um jogador poderia demorar seis horas, ou mais, até encontrar a meta. Isto se fosse bom, destaca Paulo Gomes. "Um profissional pode demorar quatro a seis horas a fazer uma etapa. Não posso obrigar um jogador no sofá a jogar quatro ou seis horas. E, se um profissional demora isso, um amador levaria o dobro. Por isso, o jogo tem uma escala de 1 para 32. Em termos de referência, um quilómetro no jogo pode representar cinco na realidade. Isto para que, um jogador experiente, consiga fazer uma etapa em 1h30 a duas horas. E se não se perder. É uma experiência de jogo. Caso contrário seria impraticável."

Para colocar o melhor jogo possível nas consolas e computadores de todo o mundo, a empresa de Vila Nova de Gaia está a recorrer a dois tipos de consultoria. Uma externa, das próprias equipas oficiais e dos pilotos, outra mais pessoal e com bastante experiência de Dakar. "Temos o Pedro Bianchi Prata no dia a dia connosco. Ele tem a experiência de nove participações na prova como piloto e mais três como chefe de equipa. Faz parte do projeto, testa o jogo, testa o roadbook", destaca Paulo Gomes.