FC Porto

Vítor Baía em exclusivo: "Não foi difícil... Nasci para ser guarda-redes"

Vítor Baía em entrevista exclusiva a O JOGO Rui Oliveira/Global Imagens

ENTREVISTA (PARTE 1) - Vítor Baía completa na terça-feira 50 anos, fez uma viagem ao passado com O JOGO, contando e revivendo histórias de uma vida numa entrevista exclusiva. A não perder.

Uns dias antes de completar esta bonita idade, O JOGO convidou Baía a fazer uma viagem no tempo e a recordar os momentos mais marcantes da sua vida. Está com 50, mas acha que tem menos, e o tempo também foi generoso com ele. Hoje, é uma das caras do Canal 11, e tem jeito para a coisa. Bem, para a baliza tinha muito mais, só porque foi excecional. Ele conta como tudo começou...

Que memórias guarda da infância?

- A alegria contagiante do caminho para os torneios de futsal em recintos de cimento, longe de imaginar o percurso que ia ter. Era uma alegria poder fazer aquilo que mais gostava. Tive uma infância tranquila. O meu pai era guarda-fiscal, a minha mãe doméstica, num ambiente de paz e amor, e ambos ajudaram-me a ter a consistência necessária para abraçar a carreira.

Nasceu em S. Pedro da Afurada, mas quase só nasceu...

- É verdade. Quase só nasci lá, porque aos quatro meses mudei-me para Leça da Palmeira. Mas vou lá sempre que posso, identifico-me muito com aquela gente, com a raça, o espírito. Leça da Palmeira é a minha terra de adoção, como cantam os Expensive Soul, e muito bem, é a terra mais bonita de Portugal.

Desde criança que quis ser guarda-redes?

- Tenho consciência de que nasci para ser guarda-redes. Tive as pessoas certas para potenciar as minhas qualidades. Nasci com qualidades naturais... também jogava bem à frente. O meu grande amigo de infância, e de hoje, o Domingos Paciência, achava que era melhor do que eu na baliza. E nos armazéns do quartel, hoje complexo da Bataria de Leça da Palmeira, andávamos sempre a ver quem era o melhor. Passávamos horas naquilo. Ele dizia que era melhor guarda-redes do que eu; eu dizia que era melhor avançado do que ele. Na baliza, dava-lhe 10-0... e chegou o momento em que o melhor, para mim, seria fixar-me na baliza.

Não foi fácil convencer o seu pai a deixá-lo jogar futebol...

O meu pai foi sempre muito rígido em relação à escola. Tanto eu como a minha irmã fomos excelentes alunos. O futebol era para desfrutar. Para conseguir entrar no futebol tive de ter boas notas. Na altura, o meu pai teve uma reunião com o meu treinador, que também era o presidente da Académica de Leça, Fernando Santos, e deixou bem vincado que podia jogar, mas primeiro estava a escola. Só com boas notas é que me deixava jogar. Que remédio, tive de ser bom aluno... Consegui até começar a ser chamado às seleções.

Como é que chegou ao FC Porto?

- Estive na Académica dos 8 aos 13 anos. Num torneio no Estádio do Mar, fomos à final e acabei por não ter muito trabalho. Fomos a penáltis, eu defendi-os todos e convidaram-me para fazer testes no FC Porto. Foi assustador chegar e olhar para o Estádio das Antas. Senti-me mesmo pequenino. Comigo foram o Fernando Santos e o Domingos, que também ia fazer testes.

Como é que correu?

- A primeira pessoa que encontrámos foi o Costa Soares, um dos responsáveis pela formação, que olhou primeiro para o Domingos, que era um fivelinhas, e perguntou-lhe. "Então, rapaz, tu não comes?" e o Domingos disse que sim, mas o Costa Soares disse-lhe que ele ia passar a comer noutro lado porque estava muito magro. A mim, olhou-me e perguntou-me se o meu pai era alto. Eu disse que sim. Voltou a olhar para mim e insistiu, "mas é mais alto do que eu?" [ele era baixo]. Um bom bocado, respondi-lhe. Eu era baixo, mesmo para a idade, e percebi depois que ele estava a olhar para o futuro. Estava numa missão de scouting...

Engatou logo a jogar?

- Cresci no FC Porto como guarda-redes liberto da pressão dos pais. Dou graças a Deus por o meu pai ter ido ver um jogo meu com o Leixões em que a minha mãe foi muito insultada. Ele nunca mais foi ver um jogo meu, de modo que cresci sem ter o meu pai a pressionar nas bancadas, ou a pressionar treinadores, como se vê ainda hoje, e na altura já era uma triste realidade. Estive três anos sem jogar, em que fui segundo ou terceiro guarda-redes, mas nunca desisti, fui sempre com um grande prazer treinar, e treinava sempre como se fosse o dia mais importante da minha vida. Tive sempre a sensação boa de que o meu dia havia de chegar. Não foi muito difícil depois. Eu nasci para ser guarda-redes.

COMO SE FALHA UM MUNDIAL

Outro 11 de setembro para a história, no caso, do ano de 1988. Esta história já foi contada várias vezes, mas Baía entende por bem relembrá-la. "A minha estreia, com 18 anos, é inesquecível, mas não vou dizer que me estreei porque era o melhor. Acontece que ninguém conseguiu encontrar o Zé Beto, que estava a contas com um processo disciplinar, não havia telemóveis. O Joseph (Mlynarczyk) lesionou-se e fui eu para a baliza porque não havia mais ninguém".

Quinito era o líder, mas quem mais marcou o guarda-redes foi outro treinador... "Passados três meses dessa estreia, o Artur Jorge regressou ao FC Porto. Passado um mês, eu estava a jogar a titular." Vítor Baia reconhece os méritos do treinador campeão europeu... "Marcou-me muito e marcou toda a minha carreira. Foi preciso muita coragem para apostar em mim, tinha 19 anos então e à minha frente tinha um guarda-redes de grande qualidade, infelizmente já desaparecido, o Zé Beto." Esta promoção tão inesperada do guardião teve um senão. Falhou a ida ao campeonato do mundo de Riade, sub-20, que Portugal viria a conquistar com total brilhantismo. "Não foi por minha vontade que falhei, simplesmente não tive hipóteses de escolha. O clube, que era a minha entidade patronal, entendeu que precisava de mim, que ia ser o titular absoluto, e eu não pude fazer nada."

O guarda-redes confessa que a ausência no campeonato do mundo foi difícil de superar... "Muito difícil mesmo! Estavam lá todos os meus amigos, todo os meus companheiros de seleção, e tínhamos fortes esperanças de conquistar esse campeonato. Felizmente conseguimos, mas eu não estive lá. E esse facto provocou-me uma grande tristeza só superada por perceber que estava a nascer uma grande carreira no FC Porto", como viria a confirmar-se.