Chéquia defronta Portugal: "Não temos nada a perder, o Europeu muda vidas"
Smicer, estrela checa da geração de 1996, que chocou Portugal e só esbarrou em Bierhoff fala deste novo confronto entre seleções com diferentes ambições e ainda reconhece CR7 como lenda muito válida
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Vladimir Smicer tinha 23 anos em 1996 quando foi um dos jovens ainda desconhecidos eleitos para o Europeu, embora já tivesse contratação fechada para França, após brilhar pelo Slavia de Praga e convencer o Lens na sua aquisição, após impacto de frente na UEFA. Num mês de competição sairia hiper-valorizado e uma grande geração checa era anunciada ao mundo no primeiro Europeu após a separação da Eslováquia. Smicer até começou como suplente mas acabou por ser uma das figuras do Europeu na Alemanha, tal como Poborsky, Berger ou Nedved.
Seria finalista, um dos motores de uma grande surpresa, não tendo faltado muito para que a República Checa derrotasse a Alemanha e veria a carreira conduzir-lhe a outras façanhas como ser campeão francês pelo modesto Lens ou vencer a Liga dos Campeões pelo Liverpool, marcando na final nessa épica reviravolta de 0-3 para 3-3 com o Milan, surgindo a vitória dos ingleses no desempate por penáltis, onde também Smicer acertou o remate.
Aos 51 anos, o antigo criativo, que podia jogar como médio-ofensivo ou extremo, falou com o JOGO sobre este choque entre portugueses e checos. "Vai ser difícil para nós, temos uma equipa jovem, a mais jovem do Europeu com uma grande maioria de atletas na liga checa. Ganharam experiência em alguns jogos europeus, no Plzen, Sparta e Slavia. Não temos grandes nomes mas fizeram boa figura nos seus clubes. Mas, mesmo que consigam dar o melhor, não se pode esperar que repitam uma final. O objetivo será passar fase de grupos e ver que objetivos se tornam mais reais", declarou Smicer, ciente que Portugal tem armas de sobra e intérpretes com peso absurdo para fazerem a diferença.
"Ronaldo é uma lenda no ativo, um dos maiores de sempre. É imparável e inacreditável ver o que tem feito ao nível de golos. Ainda é muito válido para a sua Seleção, só não sei se poderá fazer três jogos de alta qualidade jogando a totalidade do tempo em dez dias! Depende da condição física mas sabemos que, jogando mais ou menos tempo, pode sempre fazer golos", evidencia, confessando um apreço maior na atualidade nacional. "Eu adoro o Bernardo Silva, é muito inteligente e técnico, cria muitas oportunidades e abre espaços. É difícil começar contra Portugal, um favorito a vencer a prova. Também pode ser bom, pois vamos já testar-nos diante de quem tem qualidade máxima. Eles têm melhores jogadores em todas as posições, mas não temos nada a perder. Será um bom teste, sabendo que os jogos-chave serão com Geórgia e Turquia", aclarou Smicer, rebobinando a fita do embate do jogo contra Portugal em 1996.
Quando as expetativas nacionais ferviam com uma janela para as meias-finais, a surpreendente República Checa provocou choque ainda hoje doloroso. Smicer esteve 90 minutos em campo no Villa Park, de Birmingham. Poborsky fez magia e um chapéu sobrevoou Baía. "Tínhamos uma grande equipa, fomos a sensação! Portugal controlou o jogo, teve as suas chances mas deu-se um golo espetacular, um chapéu bem especial. Ninguém poderia acreditar ou imaginar isso! Poborsky treinava esses lances muitas vezes, era requintado e muito dotado. Por isso, foi importante para nós tanto tempo", avaliou. "A celebração foi incrível, pois uma seleção que não esperava passar a fase de grupos, de repente eliminava Portugal e estava nas meias-finais. Foi uma surpresa massiva", disse Smicer
"Fizemos um grande torneio, que abriu tantas portas para bons clubes da Europa. Berger foi do Dortmund para o Liverpool, Nedved seguiu para a Lazio, Poborsky para o Manchester United, eu para o Lens, embora já tivesse contrato assinado. Tínhamos todos 23 anos, era a nossa primeira grande experiência internacional. Foi uma aprendizagem incrível para as nossas carreiras", lembrou, incentivando a nova geração por um papel semelhante ao que foi produzido pelos craques de 1996. "É importante mostrares o teu talento nestas provas, podes mudar a tua vida e carreira. Acho que temos muitos que ambicionam esse salto de sair para as principais ligas europeias. Estão à porta de bons contratos, isso pode ser uma motivação neste Europeu", explicou.
Merecíamos mais em 2004 do que 1996
Smicer reflete sobre o Europeu de 1996 dominado por memórias positivas, mesmo que uma derrota numa final, ainda mais com morte súbita num prolongamento, seja uma crueldade difícil de apagar. Brilhou Bierhoff. "É certo que estivemos a 20 minutos de sermos campeões da Europa, a Alemanha acabou por empatar e depois concedemos mais um golo, o de ouro, no prolongamento. Passado este tempo estou tranquilo para dizer que a Alemanha, pelo que demonstrou, mereceu mais do que nós", confessou, justificando. "Tivemos de jogar muito tempo à defesa, porque não tínhamos possibilidade de sermos mais ofensivos. Com espírito de equipa e alguma sorte, conseguimos chegar à final mas acho que merecíamos mais no Europeu 2004, onde estávamos mais consolidados e confiantes. Mas não conseguimos superar a Grécia na meia-final", lembrou Smicer.
"Devemos ser justos e dizer que em 1996 foi bom chegar à final, ficar satisfeitos pelo que foi feito, mesmo que desapontados por perder uma final. Mas fomos até ao máximo das nossas possibilidades e foi incrível o que feito nesse Europeu", argumentou, mantendo outras memórias bem vivas de 1996. "Acabei por fazer dois jogos em Anfield no Europeu, não imaginando a carreira que teria no Liverpool. E o meu primeiro golo pela seleção acontece lá frente à Rússia, foi decisivo para chegarmos aos quartos. Um grande momento para mim...", precisou.