É a atleta feminina que mais títulos deu à secção de bilhar do FC Porto. Joga há 17 anos e sempre no clube azul e branco. Esta época, arrasou a concorrência e arrecadou todos os títulos individuais de pool, para além dos três coletivos. E sabem a melhor? Não treina
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Ainda há pessoas que ficam admiradas. Dizem que é coisa de homens. Mas isso não afeta Vânia Franco. O que a incomoda é muita gente em Portugal continuar a pensar que os desportos de bilhar continuam a jogar-se apenas em tascas, bares ou salões de jogos, de preferência enquanto se bebe uma cerveja. "Não é assim. Onde nós jogamos há um ambiente saudável", defende Vânia, 38 anos, administrativa na Câmara Municipal de Viana do Castelo e campeoníssima nacional de pool.
Foi campeã nacional individual de pool em todas as variantes da modalidade: Bola 8, Bola 9 e Bola 10. O que fez com que esta época arrasasse assim a concorrência?
Este ano voltei a jogar voleibol. Embora não pareça, a preparação física é muito importante quando se joga bilhar. E os níveis de concentração também têm de estar elevados. Quando se está bem nas vertentes pessoal, emocional e profissional, isso reflete-se no jogo. Foi o que aconteceu comigo.
Joga voleibol federado?
Sim, na 3ª divisão, na Associação Desportiva e Cultural de Perre. Joguei voleibol dos 10 aos 22 anos , depois tive de optar e preferi o bilhar. Agora tornou-se possível conciliar os dois hobbies.
Como apareceu o bilhar ou o pool na sua vida?
Foi inesperada a forma como comecei a jogar. Quando estava a estudar engenharia alimentar na faculdade -acabei por não terminar o curso - fui com uns colegas a um salão de jogos em Viana do Castelo, onde trabalhava um amigo. Ele convenceu-me a entrar num torneio. Não costumava jogar, mas fui lá e ganhei. Motivada por esta vitória, fui com uns amigos à Corunha jogar uma prova maior. Conheci lá uma jogadora do FC Porto. Sou portista desde pequenina, mas não sabia que o clube tinha bilhar ou sequer que existiam provas organizadas. Ao fim de dois meses, essa atleta convidou-me para ir a um torneio só com jogadoras do FC Porto. Fui e ganhei!
Como justifica ganhar assim logo dois torneios se, como disse, não costumava jogar?
Às vezes no liceu ia com as minhas amigas jogar, mas nada de especial. Sei que o meu avô materno também tinha jeito para o bilhar, dizem que saio a ele. A partir do momento em que descobri este talento, fui-me apaixonando pela modalidade. O bilhar vem de dentro de mim, é uma coisa que nem sei explicar. Até porque não treino.
Não treina? Como assim?
Infelizmente a minha vida não me permite treinar o que desejaria. Tenho de trabalhar e cuidar do meu filho, que ainda é pequeno. Além de que vivo em Viana do Castelo, aqui não há jogadoras com quem possa treinar e também não vou sozinha.
Onde é que poderia treinar se tivesse essa disponibilidade?
Em Viana do Castelo só existem duas mesas de pool, no Viana Taurino Clube. São mais pequenas do que as de snooker.
As suas colegas do FC Porto treinam?
Sim, elas treinam regularmente. Por isso é que digo que esta foi uma época de sonho. Estive três dias seguidos a jogar das 9h às 2h da manhã.
Das 9h às 2h da manhã?
Foi um dia para cada uma das disciplinas. De 16 jogadoras, apuravam-se quatro para a final e tínhamos de jogar todas contra todas. Foram muitas horas...
Mas é assim todos os anos?
Sim, por isso é que nunca ganha a mesma. É muito cansativo.
Como é o ambiente durante as provas?
Na mesa todas queremos ganhar, até fazemos caras de más [risos]. Eu, por exemplo, quando a adversária está a jogar, tento não olhar para ela e foco-me apenas naquilo que vou fazer. Mas fora da mesa, há uma grande camaradagem, muitas vezes vamos jantar no fim dos torneios.
Durante o tempo de jogo, não pensa em mais nada?
Penso milhentas vezes no meu filho. "Mamã, o meu troféu?", é o que me pergunta sempre quando chego a casa. Acha que os troféus são todos dele [risos].
Porque representou sempre o FC Porto?
Não conseguiria jogar noutro clube. Tenho um enorme prazer em representar o FC Porto. Desde o primeiro dia que fui muito bem tratada por toda a gente. Já lá vão 17 anos.
Está com 38 anos. Até que idade pensar jogar?
Até achar que o consigo fazer bem e tenha dado coisas a aprender aos outros.
Falando em aprender, não vê jogos dos circuitos mundial ou europeu na televisão ou na internet? Não estuda?
Não tenho esse hábito.
SAIBA QUE
Vânia Franco tem sido presença regular desde 2008 no Campeonato da Europa de Pool e essa experiência tem-lhe dado a oportunidade de conhecer a realidade dos outros países. "Há países onde o bilhar está enquadrado no desporto escolar, tanto para os rapazes como para as raparigas. Na Polónia, por exemplo", afirma a jogadora do FC Porto, considerando a modalidade efetivamente "excelente" para os mais novos exercitarem a concentração, o método e a organização. "Trabalha tudo o que também trabalhamos na escola", diz. A título informativo, a Federação Portuguesa de Bilhar, onde se enquadra o snooker e o pool, tem atualmente dois mil federados.