Na escola de futsal "Os Afonsinhos" os miúdos com negativas na escola ficam proibidos de jogar. Pode parecer radical ou dar azo a mentiras, mas segundo Marcos Antunes tem resultado na perfeição...
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Não é conhecido do grande público. Mas no concelho de Resende, a pouco mais de 60 km de Viseu, toda a gente sabe quem é o homem que colocou S. Martinho de Mouros no mapa do futsal nacional. "O que nós queremos fazer? Aprender, aprender", grita a miudagem, a uma só voz, em cada treino...
Em tempos difíceis, de pouca esperança e desânimo, aqui está uma pessoa que não sabe pensar negativo, nem estar quieto um bocadinho, apesar do porte corpulento com que chegou aos 38 anos de idade. Oferece cavacas, cerejas a todos os que o visitam e aponta tudo o que vê, escuta e planeia numa agenda, que espera um dia transformar num livro. Marcos Antunes é funcionário no centro escolar da autarquia de Resende, presidente da Direção de "Os Afonsinhos" e treinador de futsal.
O que "Os Afonsinhos" tem de diferente em relação às outras escolas de futsal espalhadas pelo país?
Os nossos atletas têm de ter boas notas na escola para poderem jogar. Essa é uma regra fundamental de "Os Afonsinhos". Quem não for competitivo a nível escolar, terá muitas dificuldades ao longo da vida. Queremos jovens com massa crítica. Somos um projeto exclusivamente de formação, para crianças e jovens dos cinco aos 14 anos. Ensinamos futsal, associado a valores que nos interessam muito: amizade, socialização e excelência escolar.
Como isso funciona na prática?
Quando os miúdos vêm para treinar, explicamos, a eles e a um familiar, que aqui existem regras de comportamento. E a principal é a de que não vão poder jogar se tiverem negativas na escola.
Isso não é demasiado radical? Não os afasta ou faz com que escondam os testes e mintam sobre as notas?
Aceitamos todos os miúdos e nunca tivemos nenhum que abandonasse por esse motivo. Tentamos ter sempre um familiar envolvido. Além disso, eles sabem que se falharem vão ter-me à perna [risos]. O que temos constatado é que as notas sobem e eles gerem bastante bem o seu tempo. Atualmente 80% dos jogadores de "Os Afonsinhos" estão nos Quadros de Honra e Excelência das suas respetivas escola.
Mas como é que esse sistema realmente funciona na prática? Se aparecem com um teste negativo não podem treinar?
Podem treinar sempre, mas ficam de fora das convocatórias para os jogos até que as notas subam. No dia da competição não podem ir no autocarro com a equipa, participar no almoço-convívio e jogar. E para eles, as viagens são muito importantes. Costumo dizer que o jogo começa a partir do momento em que entramos no autocarro. As crianças precisam de disciplina e compromisso com a escola.
Em setembro assinaram um protocolo com a Federação Portuguesa de Futebol, envolvendo também a Câmara Municipal de Resende? Em que consiste?
Tivemos a sorte de o concelho de Resende, mais concretamente S. Martinho de Mouros, ter sido escolhido em 2007, pelo governo de José Sócrates, para a inauguração do primeiro centro escolar do país, que serviu de modelo aos restantes. Além disso, o apoio desta autarquia às associações desportivas e culturais é excelente. Temos transportes de borla para os jogos, não pagamos pavilhão e ainda recebemos um subsídio anual. Neste contexto, vamos ajudar a federação a implementar o seu programa de ensino de futsal na escola básica da terra. A disciplina de atividade física e desportiva terá uma maior incidência no futsal. Isto só acontece porque em "Os Afonsinhos" fazemos um trabalho de grande nível na formação. Se não tivéssemos qualidade, a federação não vinha cá de certeza.
E você é o grande impulsionador disto tudo...
Também sou pai de um "afonsinho" e sentia a falta de um espaço próximo de casa onde o meu filho pudesse ir fazer desporto e complementasse a escola. Sinto-me muito orgulhoso por isso. E quero sempre mais. Sempre fui empreendedor. Em 2010, quando lancei a escola em conjunto com um amigo, Ricardo Quintino, tracei logo as metas até 2014 e cumpri todas. Escolas de futsal há aos milhares pelo país fora. Quisemos marcar a diferença e tornar o nosso trabalho visível. Agora já tenho metas traçadas até 2018. Sou uma pessoa bem integrada na comunidade, tenho muitos contactos, mas também sou muito chato e persistente na angariação de apoios e patrocínios. Agora até já temos um gabinete de psicologia gratuito para os miúdos...
Muitas equipas de futebol da Primeira Liga não o têm.
As próprias psicólogas bateram-nos à porta a oferecer os seus serviços. Assim como dentistas. E este ano, com os apoios alcançados, consegui dar sapatilhas iguais a todos os miúdos e isso é excelente. Isso permite-nos ainda mais criar um local de convívio em que não existem distinções. Temos crianças e jovens oriundos de várias classes sociais, mas aqui todos são iguais. E ajudam-se uns aos outros. Os miúdos mais velhos dão explicações aos mais novos. Muitas vezes são eles próprios a oferecerem-se; outras vezes eu peço para que, em vez de treinarem, fiquem a ajudar os colegas com mais dificuldades a fazer os trabalhos de casa. E fazem-no sem problemas.
SAIBA QUE
O Benfica fez no passado dia 28 de junho um protocolo com a escola de futsal "Os Afonsinhos". O clube encarnado fornece material, formação e proporciona visitas de elementos da sua secção de futsal. Em contrapartida, "Os Afonsinhos" dão direito de preferência ao Benfica caso surja um atleta com talento para seguir carreira e ingressar na equipa da Luz. "A federação considerou-nos uma escola de referência. E já recebemos a visita de quase todas as principais figuras do futsal. E também algumas do futebol", afirma Marcos Antunes.
50
A escola de futsal "Os Afonsinhos" tem atualmente 50 crianças e jovens entre os escalões de Traquinas, Benjamins, Infantis e Iniciados. O objetivo de Marcos Antunes é fazer crescer este número, nomeadamente atraindo mais atletas femininas para o futsal. A escola funciona todo o ano. Nas férias mantém os treinos e os encontros-convívio, graças à colaboração de todos os instrutores e técnicos envolvidos no projeto. Para além de Marcos Antunes, que orienta os Iniciados, já com o nível II de treinador, a escola conta ainda com Ricardo Joaquim, um enfermeiro da Santa Casa da Misericórdia, e alguns jovens amantes da modalidade, a quem "Os Afonsinhos" vão pagar a formação como treinadores.
IRREVERENTES COMO O REI DE PORTUGAL
Porquê o nome de "Os Afonsinhos"? Marcos Antunes explica: "é uma referência a D. Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal. Achámos que a nossa escola condizia com a sua bravura, irreverência e coragem". Existe uma lenda que associa D. Afonso Henriques a uma imagem da Nossa Senhora localizada em Cárquere, uma freguesia de Resende, onde Egas Moniz terá levado o filho de Dona Teresa, ainda pequenino, para curar uma má formação nas pernas com que nascera.