Arnaldo Pereira é o jogador português de futsal com mais internacionalizações: vai nas 205 e pensa ainda em aumentar o número, apesar dos 37 anos que está prestes a comemorar. Uma boa idade para um novo desafio: vai ser pai de gémeos e assentar pelo Porto
Corpo do artigo
A conversa foi sendo interrompida por Martim, de quase quatro anos de idade. Primeiro porque andava a circular pela casa na mota de brincar; depois porque queria o iPad. "Sai ao pai, irrequieto. Agora é que vejo o que os meus pais sofriam", comenta Arnaldo Pereira, a poucos dias de completar 37 anos. "Apesar de os filhos darem muito trabalho, eu e a minha mulher fizemos planos para aumentar a família. Mas acho que encomendámos demais... vamos ter gémeos!", acrescenta divertido.
A sua equipa de casa vai ficar bem reforçada...
Só faltam dois para uma equipa de futsal [risos]. Agora só voltaria a ir jogar para fora se me fizessem uma grande proposta, de dez mil euros para cima. Quero estabilizar, a família vai aumentar e precisa da minha ajuda. Vou tentar conciliar um trabalho com os treinos numa equipa de futsal no Porto, mas amadora, que treine umas quatro vezes por semana.
Isso quer dizer que vai deixar de ser profissional?
A ideia é essa, mas ainda pretendo jogar pelo menos mais duas épocas. E acho que ainda posso chegar aos cem golos pela Seleção Nacional; tenho atualmente 98 golos. Vou trabalhar para continuar a ser chamado.
Que grandes diferenças encontra entre jogar futsal hoje e há dez anos?
Desde que passámos a estar sob a alçada da federação de futebol, as coisas melhoraram muito. Mas, acima de tudo, o que noto mais é que os jogadores têm muito mais conhecimentos de jogo. No início, eu só conhecia a tática do quadrado, pega a bola e desenrasca. Quando fui jogar para Espanha, pelo Ourense, da II divisão, no meu primeiro contrato profissional, o técnico disse-me que taticamente eu era um zero. Um dia mandou-me fazer uma paralela e uma diagonal sem bola e eu fiquei, sem saber, a olhar para ele... [risos]
Ter ido jogar para o estrangeiro foi determinante?
Sem dúvida. Nesse ano, em Espanha, joguei muito pouco, mas aprendi muito. E passou-se uma história engraçada: a certa altura recebo lá uma carta a ameaçarem-me de que me podiam prender se não me apresentasse à tropa em Portugal. Ainda era obrigatória na altura. Fiquei cheio de medo e fui-me embora, mas fui muito ingénuo, pois já tinha contrato profissional e podia ter adiado o serviço militar.
O que aprendeu na tropa?
Aprendi a ser um homem e a ser duro às vezes. Na tropa, aprende-se também a ser companheiro e a ajudar o parceiro, o que muitas vezes não se vê nas equipas.
Isso aconteceu-lhe nesta última época, em que esteve em Itália, no ASD. Latina Calcio a 5?
Não, por acaso o grupo era fantástico. Os árbitros é que eram muito maus; os nossos são fantásticos a comparar com os italianos, que apitam conforme os seus interesses. E o campeonato também é mal organizado.
A experiência anterior, no Baku United, em Inglaterra, foi melhor?
Em Inglaterra, o futsal está menos desenvolvido. Os jogos pareciam torneios escolares em pavilhões, com os campos divididos com cortinas. E agora, com o fim do Baku United, retrocedeu, pois era a única equipa profissional.
Passou vários anos na Letónia, em Riga, a jogar pelo FK Nikars. Não foi um retrocesso na sua carreira, tendo em conta o nível de futsal lá praticado?
Não, foi uma boa experiência. Quando eu e o Zé Maria chegámos lá, em 2012, havia equipas com jogadores de 40 e tal anos, só para ter uma ideia.
Suponho que vocês tinham muito para lhes ensinar...
Sim, principalmente até à chegada do prof. Orlando Duarte. Felizmente, o treinador da nossa equipa era uma pessoa humilde e às vezes reunia-se connosco para lhe explicarmos o que devia fazer nos jogos.
Gostou de ter vivido na Letónia?
Sim, é um país magnífico, apesar de muito frio no inverno. As coisas eram muito baratas e vivíamos à grande e à francesa.
Têm costumes muito diferentes dos nossos?
A única coisa de que, assim de repente, me lembro é de o presidente do clube um dia nos ter levado a um hotel com jacúzi, em que nós, homens, andávamos todos nus e as raparigas nos faziam massagens. Eram mesmo massagens a sério, não o que está a pensar...
Que conselhos deixa aos jogadores mais novos?
Que saibam esperar, tenham paciência e apoiem os colegas. Quando forem chamados, então aproveitem ao máximo. Não tenham medo de falhar.
SAIBA QUE
Arnaldo Pereira prepara-se para abrir mais escolas de futsal no norte do país. Tem duas atualmente, em Bragança e Chaves, e vai pôr mais putos a jogar também em Vila Real, Mirandela e Macedo de Cavaleiros. "O retorno é muito rápido, os pais pagam tudo, o investimento é mínimo. Ao nível de contactos, felizmente deixei amigos e sou conhecido em todo o lado", conta o simpático e divertido ala, conhecido como Expresso de Bragança, vencedor da UEFA Futsal Cup em 2009/10, com a camisola do Benfica. "Foi o momento mais especial da minha carreira, foi magnífico ganhar com aquele pavilhão cheio de gente", comenta Arnaldo, destacando também a estreia na Seleção Nacional. "Já nem sei dizer em que ano foi", comenta, a rir.