O humor, os amores e as "traquinices" de Rogério Alves em entrevista ao Só Conversa. O advogado e conhecido sportinguista contou anedotas (à leão) e falou de si e da sua juventude
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É perito em contar anedotas. Em miúdo um brincalhão de primeira; na faculdade um ativista político com muita moderação na ingestão de bebidas alcoólicas. Um dos mais prestigiados advogados do país, ex-dirigente sportinguista, Rogério Alves também é o filho de um polícia, que cresceu a ir a Moscavide comer uns ovos cozidos e gostava de ter uma legião de meninas apaixonadas por si.
Os amigos dizem não conhecer ninguém que saiba mais anedotas. Rogério Alves tem-nas na ponta da língua e solta-as com a mesma facilidade com que, todas as segundas-feiras, contra-ataca o benfiquista Rui Gomes da Silva e o portista Guilherme Aguiar, os outros dois comentadores de "O Dia Seguinte", da SIC Notícias.
Do conhecido advogado, toda a gente sabe que é sportinguista dos sete costados e é nessa condição que, desde agosto, substituiu, no programa televisivo, Rui Oliveira e Costa. O SÓ CONVERSA desta semana foi conhecer o lado mais humorístico - e também sarcástico - e pessoal do ex-bastonário da Ordem dos Advogados e antigo presidente da Mesa da Assembleia Geral do Sporting.
Podemos começar com uma anedota de sportinguistas?
É um pouco tétrica. É a de um senhor que foi toda a vida sportinguista. Ao morrer disse aos filhos: "gostaria de vos pedir uma última coisa". O filhos prestaram-se logo a ouvi-lo e a satisfazer a sua vontade. "Gostaria de me fazer sócio do Benfica", anunciou o sportinguista. Os filhos ficaram muito espantados. O pai, questionado pelos filhos se lhes tinha mentido toda a vida, justificou: "Não vos menti. É que, deste modo, quando eu morrer, sempre é menos um sócio do Benfica que fica cá..." [risos] Claro que desejo muita saúde e uma vida longa a todos os meus amigos benfiquistas.
Pode contar mais uma?
Sei anedotas de todos os géneros e feitios, as pessoas acham mais graça às anedotas que não se podem contar... Mas vou contar esta: o presidente Obama precisava de um voluntário para ir a Marte, mas não dava garantias que essa pessoa sobrevivesse à viagem. Foram selecionados três candidatos finais: um americano, um francês e um português. O americano pediu a Obama cinco milhões de dólares para ir a Marte e explicou: "posso morrer e a minha vida fica protegida". O francês também quis cinco milhões de dólares: "Tenho de deixar um milhão à minha amante, um milhão à minha ex-mulher, de quem tenho dois filhos, e três à minha família atual. E mesmo que sobreviva quero o dinheiro". O português também quis cinco milhões: "dois milhões são para mim, um milhão é para si para me escolher a mim, e os outros dois milhões para o tipo que há de ir..."
Quais as suas referências no humor?
Gosto de ver filmes cómicos, daqueles muito aparvalhados, tipo "Onde Pára a Polícia" ou "A Ressaca", em que se dão umas boas gargalhadas. Mas depois há o humor fino que é o que gosto verdadeiramente: o dos Monty Python, do Woddy Allen ou do "Yes Minister" [Sim, Sr. Ministro]. É um humor cortante, inteligente, sarcástico, irónico...
E em Portugal há alguém a quem ache piada?
O Herman José teve uma fase brilhantíssima. O Raul Solnado, de quem fui um grande amigo, respirava humor. O Ricardo Araújo Pereira também tem um humor muito inteligente.
Acontece as pessoas não perceberem as suas piadas?
Um amigo advogado, que foi governante há pouco tempo, disse-me há dias isso mesmo: achava que a maneira como combino a inteligência e o humor poderá fazer com que as pessoas não compreendam uma parte significativa das minhas graças. Mas eu acredito na inteligência das pessoas.
Diz muitas piadas com o ar mais sério do mundo. Em "O Dia Seguinte" fá-lo constantemente.
As coisas de que normalmente falo publicamente não têm muita graça e, por isso, estou sério a maior parte das vezes. Em "O Dia Seguinte" estou mais descontraído e sou mais provocador, mas educado e respeitador, pois na televisão existe uma responsabilidade pedagógica. Se perguntar aos meus amigos e colegas, irão dizer-lhe que sou uma pessoa sarcástica, irónica e brincalhona.
Esta entrevista estava marcada há cerca de três semanas. Na altura, disse logo que era muito organizado e não iria esquecer. É um daqueles obcecados pela organização?
Não sou obcecado por nada, sou é muito organizado. E quem trabalha comigo, sabe como a organização faz milagres. Numa atividade como a advocacia, tem de se trabalhar durante muitas horas, sempre com muita concentração. E a disciplina ajuda à concentração.
O seu caderno da escola primária era dividido por matérias e separadores com cores?
Tenho de confessar que, durante a minha juventude, não era muito organizado. Foi uma coisa que a vida profissional me foi impondo. Atrasava-me um bocadinho quando combinava encontrar-me com amigos. Hoje em dia há coisas que consigo que convivam com a organização: o improviso, a criatividade, o gosto por algumas mudanças. Vejo muitas pessoas que até não trabalham muito, mas estão sempre em caos, sem tempo para ler, estudar ou viajar. Noventa por cento desses casos nascem da desorganização.
Falou da sua juventude. Era um apreciador da noite?
Apanhei várias fases. A primeira foi ter crescido num bairro profundamente gregário, em Olivais Norte, onde os prédios estavam estratificados por profissões. Eu vivia no prédio dos polícias, a profissão do meu pai, e andava sempre na rua, só ia almoçar e jantar a casa. Andava sempre em bando com os meus amigos. Ainda hoje fazemos todos os anos um jantar e chegam a aparecer mais de cem pessoas. No liceu, na fase adolescente, o que podíamos aspirar era jogar umas futeboladas e irmos a Moscavide beber umas imperiais e comer uns ovos cozidos e uns croquetes. Era onde dava para ir a pé. Às vezes íamos de autocarro para uma cervejaria da Almirante Reis, mas não podíamos perder o último autocarro. Não tínhamos muito dinheiro, aquilo também esgotava-se depressa [risos].
E quando entrou para a faculdade?
Nessa altura fazia um roteiro mais intelectual, foi a altura das eleições presidenciais de 1980, da revisão constitucional de 1982. Entre 1978 e 1981 estive filiado na Juventude Social Democrata (JSD), mas tive uma cisão estratégica por ser um apoiante indefetível do general Ramalho Eanes. Fui um dos oradores de um grande comício no Porto. Saí da JSD e nunca mais voltei à atividade política. Nessa altura, comecei a frequentar mais a Trindade, o Procópio, o Foxtrot, o Metro e Meio, às vezes umas incursões à discoteca Jamaica.
Gostava de beber?
Sempre fui muitíssimo moderado a beber.
Nunca apanhou uma bebedeira?
[risada] Poderá ter havido um momento ou outro em que o álcool potenciou mais a minha boa disposição psicológica, até ao ponto de passar para uma certa má disposição fisiológica. Mas isso era muito raro, sempre fui uma pessoa comedida, também nunca gostei de fazer figuras tristes.
Era namoradeiro?
Achava mais graça que as meninas se apaixonassem por mim, do que eu apaixonar-me pelas meninas.
Gostava de ter a sua legião de fãs?
Sim.
Porque lhe alimentava o ego?
Talvez um bocadinho, era mais original. Tinha alguns amigos que padeciam muito por amor, e isso mete um pouco de medo porque as pessoas ficam em depressão - o que nas cantigas de amor se chama "coita de amor". Tive algumas, as suficientes. Era muito procurado pelos amigos e amigas quando eles tinham problemas e precisavam de conselhos.
Quando conheceu a sua mulher?
Já era licenciado em Direito, temos 22 anos de casamento, mais alguns de namoro. Sobre esse ponto de vista, tive imensa sorte. É a minha grande companheira de vida, temos uma relação excelente.
É vaidoso?
Acho que não. O que as pessoas dizem, e tenho de acreditar, é que sou um bocadinho convencido. Não é minha intenção, mas admito que possa ser um pouco convencido.
Porquê?
Porque sou muito firme nas minhas convicções. Aquilo em que acredito, acredito profundamente. A maior parte das coisas que digo são refletidas e fundamentadas e acho que a vida me tem dado razão. Mas sou sensível às críticas das pessoas e estou sempre a aprender. Gosto de ironizar, de brincar, do debate rasgado, mas não de magoar as pessoas.
Como se vê na TV?
Mais velho do que sou, mais sisudo do que sou e mais baixo do que sou. Sinto-me muito mais jovem. Surpreende-me frequentemente já ter 52 anos
UM PUTO GOZÃO E INSUBORDINADO
Garante que procurava não se meter em grandes confusões. Mas alinhava no tumulto permanente que era a maioria das aulas. Acima de tudo adorava os comentários irónicos e corrosivos. "Era impensável o que fazíamos no liceu. Pertencia a uma turma altamente insubordinada e muito criativa", confessa Rogério Alves, divertido por recordar algumas histórias da sua adolescência. "Acontecia um professor entrar na sala e ter todas as cadeiras empilhadas num monte. Perguntava quem tinha feito aquilo. Um de nós tirava a cadeira de baixo e caía tudo. Outra coisa que fazíamos muito era irmos avançando com as mesas e as cadeiras lentamente, enquanto o professor dava a aula. Não éramos maus, só muito gozões. Deixávamos os professores à beira de um ataque de nervos."
SAIBA QUE
Rogério Alves foi convidado por mais de uma pessoa para se candidatar a presidente da Liga de Clubes, nas eleições de amanhã (dia 27 de outubro). "Disse que não. Não tenho grande apetência para o dirigismo desportivo. Mas achei simpático e fico reconhecido de terem sugerido o meu nome", afirma o advogado, assegurando estar também "completamente fora do horizonte" ser candidato, algum dia, a presidente do Sporting. "O meu sportinguismo terá de ser vivido noutro posto e de outra maneira."
500
No dia desta entrevista usava uma azul, com equações matemáticas e corações desenhados. Mas tem-nas com animais, tacos de golfe, às bolas ou com riscas. Rogério Alves diz ter uma "pequena" coleção de gravatas: cerca de meio milhar. "Quando as pessoas me querem dar um presente, sabem que há duas coisas que vou sempre gostar: gravatas e livros." Normalmente é a esposa que a escolhe, como escolhe diariamente a restante roupa do advogado. "