PLANETA DO FUTEBOL >> A época voltou a marcar um confronto tático Conceição-Amorim, mas, desta vez, com diferentes fatores em equação
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>> Transformações e clivagens
A época voltou a marcar um confronto tático Conceição-Amorim, mas, desta vez, com diferentes fatores em equação, vencida pelo treinador portista tanto no plano da ideia de jogo, a identidade da equipa, como na forma de abordar confrontos diretos, as nuances estratégicas.
A transformação em relação a épocas anteriores respeitou a mudança da tipologia dos jogadores (da dimensão física à mais técnica) sem perder conceitos de intensidade tática, combinando reação à perda com maior capacidade de circular a bola pelo passe em vez da passada muscular.
Após Jesus, o Benfica de Veríssimo nunca encontrou identidade e só foi forte em contra-ataque
A incapacidade de Amorim mexer no seu 3x4x2x1 resultou, sobretudo, de Slimani protagonizar um estilo oposto ao coletivo. Em vez dos apoios curtos e triângulos, um nº 9 de referência para centros. De plano alternativo (antes com a subida de Coates) transformou-se numa opção contranatura que chocou com a ideia conceptual de jogo da equipa que, nessa indefinição, teve a fase de maior sub-rendimento.
O Benfica viveu num limbo após a saída de Jesus. Após deixar o sistema a "3", Veríssimo vagueou pelo 4x3x3, 4x2x3x1 e 4x4x2 sem fixar referências de jogo e jogadores para lhe dar corpo. Acabou a conseguir maior eficácia "resultadista" numa postura de bloco baixo e saída rápida no contra-ataque/profundidade. Uma opção estratégica de sucesso em jogos grandes que chocou na falta de ideias em ataque posicional contra adversários fechados.
Metendo Slimani, Amorim confundiu a equipa pelo estilo contranatura desse nº9 face ao coletivo
As chicotadas que melhor mudaram as equipas foram Vasco Seabra no Marítimo (da contenção em expectativa ao jogo com bola e apoiado a subir) e César Peixoto no Paços (da profundidade direta para um jogo de triângulos de apoio e trocas posicionais).
O Braga de Carvalhal, ao perder Galeno, perdeu o melhor expressar da metamorfose de sistema a partir da faixa esquerda com um lateral/extremo. Em Guimarães, Pepa nunca logrou estabilizar o jogo da equipa (com constantes problemas defensivos). O oposto de Petit no Boavista (num sistema móvel a três) e Mário Silva no Santa Clara (resgatando um dos melhores meios-campos do campeonato). O Vizela de Pacheco divertiu com a bola a atacar mas sofreu demais quando a perdia.
Sérgio Conceição >> O treinador que melhor mexeu a partir do banco
Identidade adaptada à estratégia
Os confrontos diretos contra o Sporting como prova da evolução tático/estratégica. Após sofrer no primeiro jogo, na Liga, perdendo a bola no início de construção, Conceição refez a abordagem e nos outros três duelos (dois na Taça) surgiu diferente (plano e reação ao jogo).
Na primeira mão da Taça, baixou Uribe entre os centrais (controlando Paulinho) promovendo a subida dos seus laterais para apanhar os... laterais do Sporting (que são alas) mais à frente em vez de os esperar atrás embalados. Depois de "encaixar" (a defender), "desencaixou" (a atacar). Foi quando, vendo a equipa precisar de mais posse, lançou Otávio (em vez do físico/segunda bola de Grujic) e o jogo passou a relacionar-se em triângulos de passes e apoios (venceu 1-2)
Em casa, para a Liga, com o Sporting fechado em inferioridade numérica num bloco baixo, promoveu a largura com o embalar desde trás dos laterais João Mário e Zaidu, reforçados com extremos, Galeno, Chico Conceição e até Pepê. O abrir dos espaços nas alas era, porém, para quem surgisse lá com maior visão e amplitude de passe. Foi o que fez Fábio Vieira ao meter um centro preciso para Taremi (2-2).
Por fim, na 2ª mão da Taça, a exibição mais tático/controladora na gestão de equilíbrios sem bola. Grujic fechava e Vitinha servia a segunda linha do meio-campo criativo com critério de Otávio/Fábio Vieira. A melhor forma de segurar através da forma como recuperou a bola em locais mais avançados. Um jogo pressionante/controlador que mostrou como este FC Porto adquirira um poder de gestão da sua própria intensidade que antes não tinha.
>> Os desenhos táticos utilizados
O mais utilizado: 4x3x3
O resgate da estrutura mais racional na ocupação do campo (largura e jogo interior) que permite, depois, sucessivos jogos de triângulos e trocas posicionais que podem fazer variar o desenho alternativo (que, no fundo, espelha, um segundo sistema que nasce da mobilidade). O FC Porto voltou a ser a referência dessa versatilidade, enquanto o Gil Vicente, equipa sensação da época, foi o mais fiel representante das bases tradicionais do sistema. Foi assim que também gostei de ver Santa Clara, Vizela e Marítimo.
Alternativo bem sucedido: 4x4x2
Uma alternativa que resulta tanto da estrutura inicial como das variantes e trocas posicionais promovidas. O FC Porto, quando juntava Evanilson e Taremi (que às vezes vinha da esquerda), o Benfica com Ramos atrás de Darwin ou, no Braga, Horta a surgir por dentro atrás de um nº 9. Ao contrário da época anterior, os sistemas de defesa a três não foram tão eficazes no desdobramento ofensivo. O Sporting sentiu isso a "top", embora para muitas equipas médias (do Boavista ao Famalicão) tenha sido referência na variante a cinco, a defender.
>> Ricardo Soares: o melhor momento específico de um treinador
Atingir o pico do modelo de jogo
Não acredito em picos de forma (para a questão física) mas sim em picos do modelo de jogo, onde, na mais eficaz operacionalização duma ideia de jogo ,se juntam todos os fatores: físicos, táticos, técnicos e mentais.
Nesse sentido, a construção evolutiva do modelo de jogo do Gil de Ricardo Soares foi um exemplo dos degraus que uma equipa deve subir para, na fase decisiva da época, estar no ponto otimizado de expressão completa dessa ideia inicial.
Gil, o exemplo de como a construção de uma equipa obedece à evolução tático/técnica duma ideia de jogo
Dessa forma, começou por estruturar a organização defensiva. Deu, no início, até sensação de ser uma equipa demasiado recuada preocupada em fechar. Era, porém, apenas a construção das fundações táticas da equipa, dando-lhe segurança atrás da linha da bola para, depois, afinada essa fase do processo, passar à seguinte (entenda-se outros momentos do jogo), da transição e organização ofensiva. Assim apareceram os operários do passe a meio-campo e da desmarcação no ataque.
Quando, a meio da época, expressou na perfeição essa natureza inquebrantável do jogo (ligação entre seus diferentes momentos) mostrou o que é verdadeiramente jogar bem no sentido da operacionalização de uma ideia de jogo em campo. Tudo feito dentro dum inalterável 4x3x3 potenciado por esses novos conceitos de interpretação integrada do jogo.
Foi, ao atingir esse pico da expressão da sua ideia de jogo (construída desde as bases respeitando degraus de evolução) o melhor momento de um treinador na época. Na parte final, caiu um pouco, mas, agarrando-se aos princípios de jogo solidificados, manteve o quinto lugar.