PLANETA DO FUTEBOL - Uma análise de Luís Freitas Lobo
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1 - O seu nome ainda será difícil de reconhecer (e pronunciar) mas rapidamente já está a conquistar a comunidade futebolística internacional. Khvicha Kvaratskhelia é uma promessa emergente do futebol da Geórgia que estava a jogar na Rússia, no Rubin Kazan, mas que a guerra travou a evolução, levando-o a regressar a casa, onde se refugiou a jogar no anónimo Dinamo Butumi do campeonato georgiano. Foi quando o Nápoles olhou para ele e lançou-o nos relvados italianos.
Poderá ver-se esta aposta como um caso de seguir o instinto com o impulso de Spalletti, um treinador que vive acima das críticas e sempre se guiou pela sua cabeça nas estradas do Calcio, mas na velocidade desconcertante com que as coisas sucedem no futebol, o futebol de Kvara já conquistou o melhor território de sonhos mesmo contra as defesas mais duras ou fechadas.
É mais do que um extremo ou o moderno "avançado de faixa" que faz diagonais (destro a jogar desde a ala esquerda). É um talento que ilumina jogadas pela objetividade criativa e veloz com que as desenha. Tem poder de rotura físico e exuberância técnica. Para fintar em progressão, invadir espaços vazios e rematar. Tudo isso, o seu instinto de jogo, mede-se a cada jogada, a cada toque na bola, a cada arranque. Mais que só uma seta, é arco e flecha.
2 - Não existe, neste início de época, exemplar futebolístico mais empolgante em Itália. O renovado Nápoles de Spalletti voa com ele numa equipa onde o 4x3x3 é a estrutura perfeita para um jogo de triângulos de apoios (tabelas, passe, desmarcação) abrindo a frente de ataque a toda largura do campo (Politano é o inventor na direita) e que, mantendo Osimhen a ponta-de-lança, deu, por fim, oportunidade de Gio Simeone poder mostrar a sua potência como nº 9 de equipa grande que luta por títulos.
Foi nesse estilo de jogo que entraram na Champions, onde se fala a verdade absoluta do futebol ao mais alto nível, passando por cima do Liverpool de Klopp. Também tem, como quase todos onze-tipo do futebol atual, o seu argumento de poderio físico no meio-campo, um traço personificado "box-to-box" em Anguissa e na defesa a confirmação dum central coreano, Kim Min-Jae, a impor respeito com autoridade e técnica, mas é através de Kvaratskhelia que nos faz levantar para sentir o verdadeiro aroma do futebol especial. A confiança dispara o talento.
3 - Em Paris, Mbappé durou poucos minutos a deixar as suas pegadas de avançado mais aterrador do momento. Iniciou e acabou jogadas. Viu pelo meio um "passe-chapeuzinho" de Neymar e fez dois golos como encantador de serpentes. Este PSG está, porém, mais equipa taticamente a meio-campo. Vitinha entrou nesse espaço de "burocracia criativa" como se estive na sua sala de visitas e Verrtati, estando bem fisicamente, é um modelo para perceber o que é médio completo a receber, rodar, segurar ou passar, acelerar ou abrandar. Parece que tem a caixa de ritmos do jogo toda dentro dele. E, provavelmente, tem mesmo. O segredo competitivo das melhores equipas sempre está nestes espaços mesmo quando tem na frente avançados de outro planeta. Gosto de pensar que a competitividade é uma qualidade espiritual antes que física (ou até meramente futebolística) .
4 - Não pode haver génio sem técnica. Esta será uma frase pacífica, dita consensual sobre a matéria principal sobre como os craques são feitos. Gosto, nesse seguimento, de acrescentar que não existe qualidade sem tática. Esta já não será uma ideia tão unânime, mas nela estão inseridos a maioria dos jogadores duma equipa que não têm o perfil do génio, mas têm um conhecimento do jogo superior. É onde entra a consciência de que o bom futebol (aquele que faz uma equipa controlar um jogo com estilo) ainda continua a ser dos médios. De Kvaratskhelia a Verrati parece que se estão a tocar extremos do jogo mas, no fundo, está a ligar-se (vendo equipas e jogadores em ecossistemas, forma e conteúdo, tão diferentes) as múltiplas visões que tem de existir sobre o jogo.
Como arrancou na Champions o Bayern de Mané?
Lewandowski já está a fabricar golos em Barcelona, mas não existe sombra de nostalgia ou receio em Munique. O Bayern reinventa-se também nessa forma de olhar para a especialidade do ponta-de-lança e entra na Champions, contra o Inter, adotando também as teses modernas do "falso 9". Este é, porém, um exemplar que sabe tornar-se verdadeiro quando a jogada pede esse poder de especialização: Sadio Mané. Num modelo de jogo muito diferente ao que tinha no trio ofensivo rotativo em Liverpool, joga agora como elemento mais adiantado do 4x2x3x1 de Nagelsmann que coloca extremos nas faixas (Coman-Sané) e solta Muller entrelinhas atrás do nº 9 de espaço em que se torna Mané.
Mais atrás, a dupla Kimmich-Sabitzer trata de todo o funcionamento tático-mecânico da equipa, desde o começar a sair a jogar até à coordenação de subida do bloco para fazer pressão. Nesta conciliação de jogadores criativos, velozes, táticos e multidimensionais, o onze bávaro volta a formar uma equipa estilisticamente completa sem se comprometer com uma filosofia única de jogo. Nestas distintas expressões, como que incorpora diferentes escolas. Embora seja pelo controlo da bola que se manda nos jogos, este Bayern impõe respeito mesmo quando não a tem ou, até, ainda quando está no túnel a caminho do inicio do jogo. Gatilho fácil para ganhar os jogos nos momentos decisivos.
Quem me fez (faz) sonhar
Kipiani!
O meu jogador mais mítico da história da Geórgia embora então, em inicio dos anos 80, só o via como símbolo da URSS (pela qual foi internacional) e capitão do Dínamo Tiblissi que jogou a Final da Taça das Taças de 81: David Kipiani! Recordo-o a entrar em campo, capitão da equipa, alto, esguio, bigode, quase careca. Era um médio organizador fantástico, elegante, organizador e qualidade de passe. Foi eleito melhor jogador soviético em 77 e treinou, nos anos 90, o Dínamo e a seleção da Geórgia.