O Mundial de A a Z
Pedro Sequeira, vice-presidente da Federação de Andebol de Portugal, membro da comissão de métodos da Federação Europeia de Andebol, membro da comissão de treino e métodos da Federação Internacional de Andebol, presidente da Confederação de Treinadores de Portugal e professor coordenador de Ciências do Desporto em Rio Maior, opina em O JOGO sobre a atualidade desportiva.
Alemanha - A Alemanha terminou em 5.º lugar este Campeonato do Mundo. Apresentou-se com uma seleção renovada, demonstrando potencial para o futuro. Com o próximo Euro a realizar-se em 2024 na sua casa, a mobilização dos adeptos poderá empurrar a seleção para as medalhas. Veremos se se confirma esta ascensão.
Brasil - Para muitos, o empate com o Brasil foi decisivo para terminar com as aspirações portuguesas em passar aos quartos de final (pois, na última jornada, jogaríamos com a Suécia e, em caso de vitória sobre Cabo Verde, - o que viria a suceder - teríamos que vencer ou empatar com uma das candidatas favoritas ao título mundial e, ainda por cima, a jogar em casa). Muitos adeptos portugueses (e não só no andebol) continuam a achar que quando jogamos contra adversários onde o andebol está pouco desenvolvido, quando comparado com a Europa, que é fácil. A verdade é que dos 16 do Brasil, 15 jogam em bons clubes de grandes ligas europeias. Não invalida que poderíamos ter vencido, mas não era um adversário qualquer.
Capitão - O nosso capitão Rui Silva foi, mais uma vez, um verdadeiro capitão. A atacar, marcando golos ou assistindo, ou a defender, foi um exemplo de empenho, dedicação e perseverança. Nunca baixou os braços e, com isso, contagiou os colegas, mesmo nos momentos menos bons. Foi um verdadeiro líder!
Dinamarca - Tricampeã mundial não é para todos. Na final teve um excelente desempenho. Desde os guarda-redes, passando por uma defesa compacta e um ataque demolidor, a Dinamarca demonstrou a sua grandeza. Ainda por cima contra uma França que tinha tido um desempenho, também ele fabuloso, contra a Suécia na meia-final. Mas a Dinamarca não deu hipóteses e foi uma justa vencedora.
Espanha - Continua a jogar acima de todos os limites. É impressionante como o Jordi Ribera - para mim um dos melhores treinadores do Mundo - consegue preparar tão bem esta seleção. Até parece que o andebol é fácil. Depois de uma medalha de prata no Europeu, agora o bronze. A Espanha continua no topo da modalidade e não quer sair de lá. Um exemplo a seguir!
França - Ponto prévio: a França é uma Seleção estratosférica! A atual campeã olímpica fez uma caminhada imaculada até à final. Perdeu porque a Dinamarca fez um jogo estrondoso. Apenas isso? Continuo a achar que a França tem apostado nestes últimos dez anos em construir super atletas. Não tenho dúvidas que conseguiu e basta olhar para esta seleção para verificar isso. No entanto, aqui e ali falta-lhe um pouco da magia latina de Espanha ou Portugal. O Nikola Karabatic tinha, mas já não aguenta o jogo como dantes, o que é normal. Se a França conseguir isso tornar-se-á imbatível. Veremos no Euro'2024 e nos JO em Paris no mesmo ano.
Guarda-redes - Já não há dúvidas da importância que os guarda-redes têm no andebol. Basta ver os desempenhos dos guarda-redes dos quatro finalistas para perceber isso. Depois da tragédia que aconteceu com o Quintana não se sabia como seria o legado que ele deixou. Felizmente, os nossos guarda-redes estiverem muito bem neste Campeonato do Mundo - já tinham estado também em jogos anteriores. Muito importante para a nossa Seleção.
Holanda - Para mim será sempre Holanda. Não gosto do nome Países Baixos. A Holanda foi uma surpresa nos últimos anos. Agora já todos se preparam contra a Holanda como fazem contra outras grandes seleções. A Holanda vai ter que perceber isso e reinventar-se.
IHF - A IHF (International Handball Federation), de forma inteligente, vai-se mantendo na Europa para, desta forma, assegurar excelentes condições (pavilhões, hotéis, rede de transportes) e assistências. O próximo Mundial será organizado pela Dinamarca, Croácia e Noruega. Mas a IHF não pode descurar os outros Continentes, principalmente ao nível da implementação e desenvolvimento da modalidade. Para a sobrevivência da modalidade, em todos os sentidos, precisamos de um andebol mundial e não apenas de um andebol europeu.
Jordi Ribera - Competente no processo de treino e na preparação da competição. Líder dentro e fora do campo. Afetivo com os seus atletas e equipa técnica. Viciado em andebol. Humilde e educado enquanto pessoa. O Jordi Ribera é um exemplo para todos os treinadores de todos os países e de todas as modalidades. Podia ficar o dia todo a descrever as suas qualidades e a apreciar o seus desempenho no treino ou nos jogos de Espanha.
Kiko (Francisco Costa) - Ninguém tem dúvidas que tem condições de se tornar num grande jogador a nível mundial. A maioria até se esquece da sua idade quando o vê a jogar. Fez um bom mundial, sempre que chamado a jogar. Importante deixar o Kiko crescer. Tem tempo. Deixem-no ser feliz a jogar andebol.
Lutar - No andebol há cada vez menos espaço para jogar. Cada centímetro - eu diria mesmo, milímetro! - é disputado com máximo empenho. Há uma luta constante por ter a bola, por não perder a bola. O andebol é espetacular por isso, desperto de grande combatividade mas com enorme lealdade. Este Campeonato do Mundo provou isso mais uma vez.
Mats Olsson - Foi um enorme prazer poder passar algum tempo com o Mats. Impressionante como parece que a idade não passa por ele. Continua a ter muito trabalho no andebol. Especializou-se no treino de guarda-redes pelo que ninguém prescinde dos seus conhecimentos. Continua apaixonado por Portugal e está felicíssimo com o desempenho de clubes e seleções de Portugal. Fico feliz quando aqueles que passam pelo nosso país continuam a acompanhar-nos e a admirar-nos. Obrigado Mats!
Niklas Landin - Já aqui elogiei os guarda-redes neste Mundial. O Niklas Landin foi um dos que teve um desempenho espetacular. Mas, ontem [dia da final], o que mais me chamou a atenção, e me encheu de orgulho, foi no final do jogo, quando a sua seleção festejava (e ele também), ter sido o primeiro a sair e a dizer aos colegas: agora é hora de cumprimentarmos os nossos adversários. Obviamente que os franceses estavam tristes com a derrota, mas deu para perceber o quanto foi importante este momento para eles. Serviu para descomprimir das mágoas e serem acarinhados pelos dinamarqueses. Que momento!
Ouvir - Cada vez que venho a uma competição ao vivo como esta gosto de observar os bancos de ambas as equipas. Já me tinha apercebido no Europeu masculino e feminino e confirmei agora durante o Mundial a importância que os intervenientes do jogo dão a ouvir os outros. É nos time-outs: os jogadores a ouvirem o treinador, a ouvirem um ou outro colega, e no jogo o guarda-redes titular ir ao banco ouvir o seu colega ou o treinador de guarda-redes, é o treinador principal ouvir o que os seus adjuntos têm para dizer, é a partilha constante entre jogadores e entre jogadores e treinadores. Não tenho dúvidas que esta comunicação, com destaque para a capacidade de ouvir, é responsável pelo desempenho extraordinário de jogadores e equipas. Fantástico!
Portugal - A nossa Seleção fez um bom Campeonato do Mundo. O 13.º lugar é um lugar muito respeitável entre 32 seleções. Ficamos todos com aquela sensação que, por um golo/ponto, poderíamos ter ficado entre os oito melhores do Mundo. Fica a aprendizagem que a consistência é o próximo patamar que temos de alcançar. Depois disso, o sonho é possível!
Quintana - Só estive quatro dias em Estocolmo mas foi o suficiente para perceber que o Quintana continua bem vivo entre a comunidade mundial do andebol. Aqui e ali havia sempre alguém que, quando falava comigo, relembrava o Quintana. É imortal!
Regresso - Finalizado o Mundial, todos regressam a casa, aos clubes. Sim, o Mundial terminou, mas o andebol não. Regressam às competições de clubes a nível nacional e internacional. Regressam os apuramentos para as próximas competições. O andebol continua 365 dias por ano. E ainda bem, para quem, como eu, adora esta modalidade.
Stefan Lövgren - O S estava guardado para a Suécia. Mas, no dia anterior à final, quando íamos iniciar a reunião do Executivo da EHF (European Handball Federation), o Stefan, que estava sentado ao lado de mim, teve que sair de urgência pois o seu pai tinha sofrido um terrível acidente em casa - por respeito pela privacidade fica aqui apenas esta nota. Nestes últimos tempos, sempre que estávamos juntos, ele demonstrava orgulho no empenho que a Suécia estava a ter com a organização do Mundial. Guardo com carinho o elogio que ele enviou assim que terminou o nosso jogo com a Suécia - sei que não foi simpatia, foi o que ele sentiu a ver o jogo e a nossa Seleção. Ele é sempre assim, justo e humilde. Não merecia que o Campeonato do Mundo terminasse assim para ele. Na pessoa dele, a minha gratidão pela forma como a Suécia continua a tratar o andebol. Um exemplo a seguir!
Treinadores - Já falei muito do Jordi Ribera mas a verdade é que este Mundial, mais uma vez, apresentou um conjunto de treinadores com uma ideia e modelo de jogo muito interessantes. Não tenho dúvidas que a nível mundial os treinadores estão a ter um papel fundamental no desenvolvimento do andebol. No Mundial, ou no Europeu, os treinadores das seleções têm muita visibilidade mas não tenho dúvida nenhuma da importância que os treinadores dos clubes e da formação têm, para que estas seleções joguem um andebol espetacular. O meu obrigado a todos os treinadores.
União - Não vi todos os jogos deste Mundial (foram 112!) mas vi muitos - através da RTP2 há a possibilidade de ver todos, se quiser. Houve algo que me impressionou. A união entre jogadores e equipa técnica de cada seleção, mas, também é, talvez ainda mais importante nos dias que vivemos, a união entre jogadores e equipas técnicas entre seleções. Ainda ontem [dia da final], após o jogo terminar e durante a cerimónia de entrega de medalhas, foi bom ver a forma como todos se cumprimentam e abraçam. Fala-se muito da ética no desporto, mas é a sua prática que temos de realçar e valorizar!
Voluntários - Falei com muitas pessoas durante estes dias em Estocolmo. Se calhar, muitos pensam que, por a Suécia ser uma economia bastante interessante, todos são contratados. Não! Foram centenas de voluntários que puseram dias/semanas de férias para ajudarem na organização deste Mundial. Cada vez mais é importante os diferentes Estados reconhecerem a importância que os voluntários têm no desporto e criarem condições especiais para estas pessoas.
Xeque-mate - O jogo de atribuição da medalha de bronze e o da final tiveram, para mim, um momento decisivo em comum: o intervalo. A Espanha saiu a perder e, quando regressou, encetou uma recuperação espetacular. A Dinamarca foi para o descanso com a França a recuperar e a conseguir chegar à diferença de um golo apenas. Após o intervalo a nova defesa e novo ataque da Dinamarca não deram hipóteses à França. Foi no intervalo que for preparado o xeque-mate de ambos os jogos. "Deliciosas" as alterações estratégicas de Espanha e Dinamarca.
Zzzzzz - Com jogos a cada dois dias, o descanso é fundamental para treinadores e equipas técnicas. Quem viu os jogos finais nem acredita que este Mundial começou no dia 10 de janeiro e que, mesmo assim, ninguém travou até ao último dia, ao último jogo! Provavelmente, quem esteve na organização do evento dormiu muito menos, mas nem por isso deixou de dar tudo até ao último dia. Também nisto o andebol é um exemplo.