Uma seleção de pai incógnito

Esta equipa não tem quaisquer parecenças com o futebol que a pariu

1 - Só para recordar: o futebol de alta competição é um jogo complexo que depende do entendimento saudável entre doze (doze!) criaturas antropomórficas, onze delas no campo e a última na função de os coordenar. Ou seja, é uma megalomania nestes tempos de crises do euro, trumpismos, brunismos, benfiquisações, lopeteguismos e professores de ginástica com apurados ideais de beleza. Mais rebuscada do que a ideia de pôr doze pessoas em sintonia só o facto absurdo de estes tempos de vaidades, ostentações e egoísmos terem produzido uma das seleções nacionais mais despretensiosas e solidárias de sempre, mesmo tendo Cristiano Ronaldo lá dentro, ou se calhar por isso. Na tradição portuguesa, desde 1986, o Mundial costuma ser o momento de exibição das tais vaidades, mas desta vez acaba por ser um escape terapêutico para o país, depois de quatro anos de delírios crescentes que estão agora a ser reavaliados de várias formas, na Justiça, na FPF, na Liga, nas redações e na memória torpedeada dos sportinguistas. E não, não sei quem ganha o Portugal-Espanha.

2 - Os jogadores que rescindiram com o Sporting podem ter razão e, se a tiverem, é injusto que os outros clubes lhes virem as costas. Seria como se o Continente se recusasse a contratar ex-empregados insatisfeitos do Pingo Doce. Mas há uma administração de uma SAD que anda há um ano a exigir medidas contra os incendiários do futebol nacional, com a voluntariosa ajuda do Plano Nacional de Ética no Desporto e de outras instituições maiores. Joga muito mal com esse discurso que o Benfica corra a aproveitar-se do momento do Sporting. É legítimo, pelo lado dos direitos dos jogadores, mas também uma confissão - redundante, já agora - de cinismo e hipocrisia.