Futebol é cego
Para cada trapaceiro, há uma multidão que fecha os olhos e desconversa
O presidente da Federação Espanhola de Futebol foi detido anteontem por suspeitas de apropriação indevida, corrupção e falsificação de documento público, entre outros crimes. Angel Villar esteve 29 anos no cargo. Se for culpado, é a implosão do futebol espanhol, depois da implosão da FIFA, outro organismo em que Villar passou três décadas. Posso escrever dez artigos diferentes sobre o assunto. Uma parte dos não residentes do futebol escolherá discorrer sobre a decadência dessa indústria, e seria um bom ponto de vista, mas apenas pela falácia que encerra: não há nada na criminalidade do futebol que a distinga, desfavoravelmente, da criminalidade da política ou do sistema bancário. Os próprios crimes misturam-se com frequência.
Por outro lado, já não haveria falácia alguma se pegasse no tema União Europeia, por exemplo, e no talibanismo neoliberal de Bruxelas que bloqueia qualquer proposta de estabelecimento de tetos nos gastos ou de um controlo mínimo das torrentes de dinheiro selvagem que fizeram do futebol um íman da escória humana e dos trapaceiros. Mas tudo isso já foi sendo mencionado, embora sem quaisquer resultados. O que se disse menos vezes é que, para escândalos como o da FIFA ou de Villar; para a desproporção monumental dos ganhos dos agentes de jogadores; para a promiscuidade entre administrações de clubes e empresários; para a promiscuidade entre administrações de clubes e administrações de bancos; para os negócios paralelos que desviam dinheiro das tesourarias: em resumo, para que cada uma dessas vigarices acontecesse, foi preciso que, todos os dias, uma multidão fechasse os olhos e fosse cúmplice. Do vogal do Conselho Fiscal que entra em delírio quando o presidente o trata pelo nome ao adepto que escolhe ignorar as evidências quando vota, passando pelos colegas de Direção que se deixam enlevar pela "normalidade".