PLANETA DO EUROPEU - A análise e opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 - Ter uma ideia de jogo é o princípio para uma boa equipa, mas, depois, em campo, é necessário, muitas vezes, saber negociá-la com as circunstâncias. Isto é, saber reagir perante um adversário que, pura e simplesmente, roube essa ideia para ele.
O confronto Itália-Espanha foi colocado como um duelo pela posse da bola.
O confronto Itália-Espanha foi colocado como um duelo pela posse da bola. Ambas as seleções tinham essa cultura como base da sua ideia. Seria impossível, porém, as duas imporem-se dessa forma num confronto direto. Foi o que, desde o início, percebeu a seleção italiana.
Dessa forma, negociou a ideia e, em vez de entrar decidida a ter a bola, entrou decidida a não deixar a Espanha respirar com ela. Em termos de comportamento no jogo, tal traduziu-se numa intensidade de pressão alta que, coletiva, fez saltar toda a equipa para cima do meio-campo espanhol, tentando impedi-lo de começar a construir.
Era, porém, impossível (fisicamente) aguentar todo o jogo assim. E, por isso, soube ir baixando essas zonas de pressão até apelar à organização (em coberturas) para manter a sua autodeterminação tática no jogo (com saídas em profundidade).
2 - A estratégia de jogar sem ponta-de-lança clássico deu à Espanha o controlo da bola. Nesse sentido, Olmo mais do que falso 9 foi um falso 10. O seu papel prioritário foi sempre de recuar uns metros e, combinando com Pedri e Koke, impor no jogo a criatividade de construção de jogo da equipa. O espaço do n.º 9 ficava, assim, vazio. Quem o fazia era quem... aparecesse nele.
A forma como, na segunda parte, já com Morata e Moreno no ataque, mas mantendo os tais construtores-criativos do meio-campo (Pedri-Olmo), cansou a equipa italiana, mostrou como a qualidade da posse espanhola, em circulação permanente, tinha como base a velocidade da... bola. De Verrati, Barella a Insigne, nenhum deles aguentou fisicamente o ritmo (e não chegaram ao prolongamento).
3 - Valeu então, um fator em que a Itália é mais forte do que esta Espanha: aguenta melhor jogar sem bola. É algo que já vem de trás, do "ADN azzurro" que soube, em todo o jogo, juntar melhor as linhas (os jogadores) para defender (num 4x1x4x1 muito junto) do que para atacar (onde esticava jogo na profundidade, com distância entre meio-campo e ataque).
Nesse dupla missão, Jorginho (relógio nº 6 de equilíbrios de passe) e Verrati (mordedor nº 8 de recuperação e entrega) foram o principio, e Insigne (velocidade a entrar/invadir espaços de ataque desde trás) o fim, numa exibição de classe pela forma como soube usar essa rapidez pensando ao mesmo tempo e soltando o passe no momento certo. E aqui está, o passe, outra vez, sempre o passe. Foi essa leitura e precisão que fez de Insigne um jogador completo no jogo.
O bom futebol: caras e códigos
Ver Olmo jogar é ver a cara do futebol. Mesmo que o queira elogiar pela inteligência tática vou sempre ter com a qualidade técnica. Em síntese, ele prova como a melhor tática (coletiva de uma equipa ou individual numa posição) resulta da capacidade técnica dos jogadores.
Penso na face iluminada do jogo na relação com a bola. Esta seleção espanhola é, porém, por todo o onze, um exemplo dessa raiz estilística de futebol. Não existem faces escuras no seu jogo. Nenhum jogador vê a bola como ameaça. Todos a recebem como uma amiga para levar a conhecer locais que ela goste.
O momento em que a equipa caiu mais na aplicação dessa ideia de posse foi na segunda parte do prolongamento. O que sucedeu? Saiu Busquets. Isto é, saiu a origem, em ternos de dinâmica tática, desse jogar. Sem ritmo/bússola semelhantes, Thiago e Rodri não conseguiram, os dois, fazer o que Busquets, sozinho, faz como mais nenhum outro neste milénio: ser o jogador que faz os outros jogadores jogar melhor.
É uma eliminação que faz sofrer o futebol mas que faz sorrir o futebol espanhol no sentido de ter ganho o desafio que se colocara a si próprio de resgatar um estilo de jogo que estava deprimido. Perdeu no resultado mas ganhou, indiscutivelmente, no jogo.