PLANETA DO EUROPEU - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - A transformação alemã começou onde a sua história se impõe: da mente para a dinâmica. Em vez de mudar o sistema, injetou uma nova alta intensidade no jogo, com velocidade de bola e passes, em trocas posicionais, com os avançados por dentro, os médios (Kroos-Gundogan) em pressão alta (com defesa subida) e os laterais a apoiar ou a voar. Nessa perspetiva, mudou taticamente a partir do mesmo sistema.
A incapacidade da seleção portuguesa em acrescentar um jogador em cobertura na largura da sua linha defensiva (isto é, transformar a defesa a quatro numa de cinco), para assim fechar melhor os flancos, abriu a nossa defesa ao ataque alemão que, em 3x4x3, projetou de forma explosiva os laterais, e Gosens, na esquerda, encontrou sempre corredor aberto.
Era impossível pedir essa tarefa direta ao lateral Nélson Semedo, que tinha de fechar por dentro (onde a Alemanha metia o seu trio ofensivo). Falhou, assim, o acompanhamento do nosso ala quando o lateral adversário subia, ou, se essa missão for para o lateral, o juntar desse quinto homem no meio, através do recuo de um trinco (a tarefa que podia ter feito Danilo). Controlámos a profundidade mas nunca a largura.
2 - No duelo entre o nosso 4x2x3x1 e o 3x4x3 alemão, foi nesse espaço (com défice de marcação portuguesa) que se decidiu o jogo. A entrada de Renato Sanches visava preencher melhor esse espaço. Foi quando ficou evidente que o problema era coletivo e, antes do sofrimento defensivo da linha recuada, estava num ponto prévio: incapacidade de ter bola, com controlo de ritmos e fazer da posse/passe a base do nosso jogo.
Mais do que a questão particular da deficiente cobertura do flanco esquerdo, é mais importante focar a questão geral da lacuna coletiva do jogo português com bola. O que sofremos depois, sem bola, foi consequência disso. A equipa não estava preparada/posicionada para reagir à sua perda (recuperando-a ou fazendo faltas) e foi atropelada de cada vez que o sistema alemão abria a toda largura do campo a atacar.
3 - O jogo assenta sempre numa ordem, seja para soltar a criatividade, seja para montar um muro de marcação. De formas diferentes, França e Portugal, após uma primeira jornada feliz, repousando/jogando nela, sentiram agora, nos segundos jogos (contra adversários tão diferentes) como ela é, no entanto, um mero ponto de partida.
O primeiro que sofre com esse abalo coletivo é o jogador (a individualidade), não o contrário. É por isso que criticar Bernardo, Nélson Semedo ou Renato Sanches é um erro conceptual para perceber o que aconteceu para o jogo português, de repente, se desmoronar.
Estamos no máximo da exigência onde o adversário pode chegar e roubar-nos a ideia.
FRANÇA E HUNGRIA: ENTRE A BOLA E OS ESPAÇOS
O bloco baixo da Hungria, em explosão demográfica à frente da defesa (defendendo com a equipa toda), voltou a surgir na relva de Budapeste e, desta vez, condicionou o jogo circular/construtivo da França. Mais do que fechar os avançados, os húngaros fecharam os médios gauleses, o que levou Deschamps a tirar Rabiot (muito marcado, tal como Pogba, através de encurtamentos ao homem) e meter mais um extremo (Dembelé). Este condicionar do meio-campo gaulês deixa um sinal forte para perceber a fonte do poder do jogo francês. Apesar das explosões de Mbappé, Griezmann e a cultura de Benzema, esta França vale como equipa pelo que faz a sala de máquinas dos seus três médios.
O próximo jogo vai, de novo, colocar Portugal face à história interminável dos duelos contra a França. Perceber se vamos jogar assumindo querer ter mais a bola ou assumir que o principio será ao invés controlar antes os espaços por onde ela anda, é a questão tática de fundo. O velho debate entre jogar bem ou jogar mal, filtrado pelo jogo bonito ou feio, e como Portugal ganhava sem olhar a esses dilemas estéticos (quase os desprezando) caiu, frente à Alemanha avassaladora perante uma evidência: ninguém pode jogar bem (nem bonito) sem ter ou respeitar a bola.