Para compreender Vieira, e salvar o país, é preciso conhecer o Portugal dos videirinhos. E garantir que não se nomeia um deles para o banco que vai gerir a maior orgia financeira de sempre
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A ligação de Luís Filipe Vieira a Vítor Fernandes, ex-administrador do Novo Banco, é mais importante do que todas as outras suspeitas e acusações da operação Cartão Vermelho. É mais importante do que o Benfica. Nenhuma das tramoias com que nos vamos deprimindo a conta-gotas, do BPN a Berardo, do Vale do Lobo à Portugal Telecom, teria sido possível sem alguém, do outro lado do balcão, para abrir a porta ao escroque.
O malfeitor é uma fatalidade estatística que está connosco desde as cavernas; o videirinho é cultural e bem tolerado, quase protocolar ao nível das administrações em Portugal. Videirinho significa "aquele que trata cuidadosamente da sua vida ou dos seus interesses". Aquele que nunca admitirá prejudicar-se pela sua empresa, pelo seu país, pela sua repartição, pelo seu jornal, seja por um Mercedes de serviço, seja pela vaidade ser tratado por tu, em público, pelo presidente do Benfica. Conheço-os de todas as cores e gravatas.
Neste momento, Vítor Fernandes não passa de um nome num processo, sem culpa formada, mas o videirinho está em todos os passos da carreira galopante de Luís Filipe Vieira. O talento de Vieira, que nunca foi o futebol, pode muito bem ser o faro infalível para os videirinhos, dos funcionários judiciais aos governantes de camarote, dos vice-presidentes submissos aos opositores ansiosos por ser convertidos ao regime, acabando em presidentes e administradores de bancos que aprovam (e/ou fecham os olhos) a empréstimos paquidérmicos com garantias infantis. Ou, no caso dos indícios de Vítor Fernandes, que dão pistas aos devedores para que possam recuperar avais pessoais, em vez de acionar esses avais imediatamente, como fariam consigo ou comigo se deixássemos de pagar a casa. O Ministério Público deve mesmo propor a Vieira um perdão parcial em troca dos serviços dele como perdigueiro de videirinhos, ao jeito do que fez com Rui Pinto. O país mudaria.
O cúmulo desta novela é que, dada a escassez de semelhantes farejadores ao serviço do Estado, Vítor Fernandes estava a uma formalidade de ser o primeiro presidente do novo Banco de Fomento, que, entre outros dinheiros públicos, vai gerir muitos dos milhões do Plano de Recuperação e Resiliência pós-pandemia, a maior orgia financeira de sempre. O Governo demorou 24 horas, desde as primeiras notícias, a suspender a eleição. Foram 23 horas, 59 minutos e 59 segundos a mais.