TEORIA DO CAOS - Um artigo de opinião de José Manuel Ribeiro.
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1 E pronto, tornou-se regra: os melhores jogadores da liga portuguesa passaram a ter um prazo máximo de duração de duas épocas, antes de serem negociados.
É o ponto comum a todas as grandes transferências dos últimos anos, em especial as que envolvem portugueses saídos da formação. Nesses casos, as duas épocas já são demasiado ambiciosas. André Silva, Félix, Nuno Mendes, Fábio Silva, Renato Sanches e mesmo Fábio Vieira e Vitinha oscilaram entre os cinco e os dez meses de contribuição efetiva nas suas equipas antes de serem ejetados para outros campeonatos.
Segurar durante três temporadas um jogador com perspetivas (nem falo em certezas) de chegar à elite já não está ao alcance dos portugueses. Basta alguma visibilidade internacional. Haverá uma explicação financeira para o problema, que é o lucro incomparável da venda (tradicional) de um jogador da formação (sem um custo-base, nem repartições de passes), mas exemplos como os de Díaz, Darwin e Militão sugerem que passou a existir um patamar de qualidade proibido. O paradoxo dos salários (se não aumentam, não há renovações; sem renovações, há saídas a custo zero) também empurra os clubes para as transferências prematuras, dentro da lógica do proverbial pássaro na mão.
No final do dia, o negócio tende a ser mau para todos. Os clubes tiram um proveito desportivo mínimo dos jogadores e vendem-nos abaixo do potencial; os jogadores partem demasiado cedo para ambientes, por regra, menos protegidos (valha-lhes o Wolverhampton); a Liga perde protagonistas, e a FPF vê alguns valores de Seleção ao Deus dará. João Félix parte para a terceira época no Atlético de Madrid sem um estatuto de primeira ordem na Cidade do Futebol; Renato Sanches teve de recuar na carreira; Diogo Dalot demora a engrenar; Bruma vai em oito clubes em nove anos, etc. Se este não é um problema que deve consumir as meninges de todo o edifício do futebol, Governo incluído, então não há causas comuns e perdemos tempo a pedir, angelicamente, reconciliações. Para que serviriam?
2 Escreve-se e diz-se demasiada coisa de cor em Portugal. A pensar nisso, e também nos excessos de ignorância ostensiva cometidos por estes dias a propósito da morosidade do processo da Garagem, aqui fica um exemplo da UEFA, cuja justiça célere e exemplar costuma ser brandida, à vez, quando interessa esvaziar sentenças disciplinares nacionais. Foram precisos 101 dias (101 dias) para atribuir ao diretor desportivo do Paris Saint Germain um jogo de castigo por, na companhia do presidente do clube, ter tentado invadir o balneário dos árbitros depois de uma eliminatória com o Real Madrid. Houve insultos, uma ameaça de morte a um funcionário do Real que filmava a cena e Al Khelaifi chegou a partir a bandeirinha de um árbitro assistente.
Esta semana fui bastante atacado por escrever que, lá fora, todos os conflitos (como o caso da Garagem) que possam ser empurrados para a esfera pessoal são desvalorizados disciplinarmente, enquanto aqui sucede o oposto. O exemplo do PSG até excede a conta, porque o castigo e a impunidade de Khelaifi são absurdos e porque, dessa vez, os factos estavam narrados no relatório do árbitro. Isso não acontecia no caso da Garagem, que obrigou a quatro vezes mais testemunhos e levou mais 22 dias a decidir.