PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 As paragens para a Seleção provocam interregno emocional. Estes desnivelados jogos de apuramento não suscitam o entusiasmo mínimo.
Talvez por isso, vendo esses 180 minutos de ataque continuado português, reparei, de repente, que, em traços gerais, estava a ver 16 anos de dinastia do meio-campo do Sporting. Os nomes e os estilos estavam lá.
Coloquei esse início dinástico na época de 05/06, na qual Moutinho, então saído dos juniores, começava a mandar na equipa principal, até à mais recente afirmação nesse sector, Matheus Nunes, novo luso-brasileiro da Seleção.
Contra o Catar, o trio do meio-campo tinha mesmo três elementos de diferentes tempos dessa dinastia: William Carvalho, jogando a pivot, João Mário, o nº 8 de construção, e Matheus Nunes, interior mais de saída. Depois, com o Luxemburgo, viu-se mesmo o tocar dos extremos temporais das dinastias 05/06 a 21/22: Palhinha, cada vez mais indiscutível pivot nº 6 nacional, e Moutinho, sempre renascido, a recuperar e entregar, controlando a "sala de máquinas".
2 Neste percurso, muitos saíram ou transformaram traços do seu jogo. Moutinho, no início, vivia o dilema do losango (de Peseiro a Bento) sobre jogar aberto ou no centro. Acho que resolveu dizendo, no decorrer da carreira, que jogaria em qualquer lado. William, na ideia de Fernando Santos na Seleção, é já mais nº 8.
Mais curioso, ver juntos, pela debate promovido nos últimos tempos pelas declarações de Amorim, João Mário (que saiu para o Benfica) e Matheus Nunes.
O debate, sobre qual o mais útil, não faz sentido, porque são diferentes individualmente e estão inseridos em ideias de jogo distintos. O melhor é mesmo tê-los juntos no mesmo onze. Foi assim que o Sporting foi campeão e jogou melhor a época passada (embora pense que a qualidade de João Mário deva silenciar qualquer espécie de sub-debate sobre características).
3 Pelo meio, neste trajeto Moutinho-William Carvalho-João Mário-Palhinha-Matheus Nunes (16 anos passiveis de ver/sentir em dois jogos da Seleção) também passaram outros nomes. Destaco Adrian mas, observando todas essas épocas, nota-se um hiato de três (entre 10/11 e 12/13) em que o meio-campo leonino (desde a saída de Moutinho para o FC Porto e o afirmar na equipa principal dos então miúdos William e João Mário) perdeu referência de qualidade indiscutível e de Seleção.
Nenhum outro clube, porém, teve/tem, neste ciclo temporal, tanta importância na construção do meio-campo de Portugal. Ver tantas épocas a cruzarem-se em dois jogos da Seleção foi quase como assistir a uma demonstração viva da dinastia de médios leoninos Uma questão de cultura e, porque todos são crescidos na casa verde, futebol-base.
A Taça já não tem "pelados"
O inicio da Taça suscita-me sempre uma sensação de nostalgia. Acho que digo (escrevo) sempre isto todos anos. É natural, porque todos os anos sinto o mesmo. É a memória daqueles grandes e utópicos duelos jogados em campos pelados, envoltos em rudimentares bancadas e muita gente de pé, onde os grandes do nosso futebol iam jogar contra equipas da então III Divisão.
Jogava-se mesmo lá, no campo deles. As condições exigidas era... não ter ninguém estranho (um espectador, um policia, o que fosse) dentro do pelado. E estavam lá os grandes craques desse tempo. Gomes, Nené, Jordão (citei os dos meus anos 80). Sem ninguém se queixar de condições. Até recordo que na semana que antecedia os jogos e se falava no campo onde se ia jogar dizia-se, às vezes, com satisfação, "ok, mas aquele é um bom pelado!" (sim, porque havia pelados quase de areia e que quando chovia eram só lama mesmo). Que fazer? Jogava-se na mesma. Isto, na verdade, até 84, acontecia na I Divisão.
Mas, sabem uma coisa? Éramos felizes assim. Os que viam, encharcados com o guarda-chuva torto e os que jogavam, rasgados dos carrinhos na terra ou com equipamento todo sujo e enlameado. Por vezes penso que quem se queixa dos relvados agora devia viajar no tempo e jogar um desses jogos. Só 15 minutos bastava.