VISTO DO SOFÁ - Um artigo de opinião de Álvaro Magalhães.
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Por estes dias, Cristiano Ronaldo e Pinto da Costa explicaram aos leigos o que está mal no nosso futebol.
Ronaldo disse que o nosso problema eram as polémicas; e que a liga saudita é melhor do que a nossa, pois lá não há disso.
É verdade: só há aquela doce paz dos cemitérios. Pinto da Costa, por sua vez, disse que temos os melhores jogadores, treinadores, dirigentes e gestores do mundo, mas há uma coisa que estraga tudo: a comunicação social, principalmente, três comentadores, que nomeou: Mauro, Pinotes e Camelo. Diz que eles "não sabem porque é que a bola pincha, não deram um toque nessa bola, nem sabem as leis jogo".
Pois bem, eu, um ignorante que também não sabe porque é que a bola pincha (será porque a força normal do solo excede a força gravitacional ou há uma explicação secreta, que só quem percebe muito de futebol alcança?), não jogou a bola a sério e não sabe as leis do jogo de cor, não senhor, só podia discordar. Para mim, as polémicas são próprias do futebol, que se nutre da energia do confronto. São ruidosos sinais de vida. Um futebol pacífico e silencioso, como o da Arábia, é um futebol moribundo. Os jogos valem pela qualidade de alguns intérpretes e pelo espectáculo que daí resulte, não pela qualidade do confronto. Na verdade, foi-lhes extirpada a essência. E aí está um vislumbre do tal "espectáculo para famílias" com que sonham os responsáveis máximos do nosso futebol e que corresponde a uma ida ao cinema ou ao Oceanário. Valerá a pena lutar por isso?
Quanto ao prejuízo causado pelo Mauro, pelo Pinotes e pelo Camelo, ainda discordo mais. Estavam eles arquivados na pasta do entretenimento entre jogos, ou seja, das coisas sem importância nenhuma, e foi esta declaração de Pinto da Costa que os trouxe à vida. E se eles afectassem, de algum modo, o nosso futebol, isso queria dizer que tudo o afectaria, das brisas outonais às migrações das andorinhas.
O que mais dói no nosso futebol, digo eu, que nada sei, são jogos como o Porto-Arouca e Porto-Farense, em que não houve futebol. As equipas pequenas e médias, em vez de jogarem, apostam na morte do jogo. Essa prática assassina consiste no estacionamento do autocarro e na aplicação da arte de queimar tempo. As simulações de lesões são constantes e atingem níveis muito altos de expressividade e talento. Chico-espertismo, em vez de franqueza competitiva. Depois, há as substituições, as faltas, os cantos, as reposições de bola, tudo feito em modo quase parado. E, claro, há o VAR, as comunicações árbitro-VAR, as repetições das jogadas. No meio disso tudo, lá se dão uns pontapés na bola. Nos 23 minutos finais do Porto-Arouca, só houve jogo durante sete minutos; e nos primeiros 15 minutos do Estrela-Porto só se jogaram três. Ora, quem quer ver ou comprar isto? Só adeptos, que estão presos ao destino dos jogos, são capazes de os ver, e sabe Deus como.
Que me perdoem, pois, Ronaldo e Pinto da Costa, que até sabem porque é que a bola pincha (e não dizem), mas com polémicas e comentadores podemos bem. Com jogos destes, que se repetem todas as jornadas, é que não.