<em><strong>SENADO</strong></em> - O cronista José Eduardo Simões escreve hoje, em O JOGO, sobre as mais recentes movimentações da UEFA para elitizar a Liga dos Campeões.
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ECA é o acrónimo inglês da Associação Europeia de Clubes, que junta os maiorais do Velho Continente numa mesa de insaciável sede de dinheiro. As centenas de milhões que os mais ricos e poderosos recebem de direitos televisivos, de marketing, de bilheteiras, de patrocinadores, de vendas de produtos, de direitos de participação nas competições europeias ou de jogos particulares não chegam para contentar a sua enorme gula.
A UEFA apressou-se a apresentar a sua versão do Europeu de Ricos, perdão, de Clubes, com admissão reservada apenas a quem interessa.
Que importância tem que cerca de 80% dos clubes das primeiras ligas das 55 federações (por alto, aí uns 650) que compõem a UEFA tenham "estratosféricos" orçamentos anuais inferiores a seis milhões de euros, quando as receitas dos cem mais abonados são apenas de 150 milhões, no mínimo? Ou que, desses cem, 40 sejam a expressão da infelicidade pela miséria de 350 milhões que cai no orçamento de cada qual, sem falar na angústia da dezena que se tem de contentar com meros 500 milhões, ou nas dificuldades por que passarão aquela meia dúzia cujo mealheiro pesa quase mil milhões de euros? A solidariedade é uma palavra tão bonita como a falta de conteúdo de quem a (não) pratica.
A UEFA, com o apoio activo da ECA, tornou-se na associação que representa os interesses das cinco ou seis federações mais importantes e dos 40 clubes mais ricos da Europa, praticando uma espécie de caridade disfarçada de solidariedade para com o resto da malta, mesmo esta dividida em pessoal de segunda e de terceira.
Em articulação com a FIFA e o seu modelo de Mundial de Clubes, e para compensar a chatice que constituiu a eliminação de clubes como o Real Madrid (nem com ajudas conseguiu eliminar o Ajax) ou o Bayern Munique, a UEFA apressou-se a apresentar a sua versão do Europeu de Ricos, perdão, de Clubes, com admissão reservada apenas a quem interessa.
O modelo quase fechado segue o das competições americanas, juntando 24 clubes em três grupos de oito que farão ao longo da temporada 14 jogos (em vez dos simples seis da fase de grupos da Liga dos Campeões), seguindo-se as fases a eliminar até chegar à final. Sem grandes surpresas, esta competição mais longa e desgastante permitirá que Real Madrid, Barcelona, Manchester City e United, Liverpool, Juventus, Inter e Bayern (ou alternativamente PSG, Dortmund, Atlético de Madrid ou outro inglês) ocupem os lugares dos quartos de final, atirando outsiders como Ajax, Porto e demais para as posições de figurantes de segundo plano. O clube classificado em último em cada grupo é "convidado" a sair desse grupinho exclusivo e será substituído pelos famélicos emblemas dos campeonatos mais poderosos.
Tal como na selva, são os leões alfa que comem primeiro e que ficam com os melhores pedaços.
Com esta competição, é possível que os comensais vejam os seus já parcos orçamentos aumentados em 20% a 50%, a que acrescerá a participação no Mundial das Elites, desculpem, de Clubes (com maiúscula e tudo). É assim que se perspectiva o futuro do futebol nesta sociedade europeia tão democrática e tão cheia de solidariedade entre ricos e pobres, mas que mais parece avançar para uma forma superior de partilha do banquete: a lei do mais forte. Tal como na selva, são os leões alfa que comem primeiro e que ficam com os melhores pedaços. Os restos, enfim, são para dividir pela turma. "Alea jacta est"...
PERGUNTA DA SEMANA
Quem é César Boaventura?
Em 14 anos na Académica nunca travei conhecimento com a pessoa. Terá contactado Viterbo Correia em 2015, alegando proximidade a Luís Filipe Vieira e propondo servir de agente e promover a carreira daquele técnico, que não se mostrou receptivo (talvez tenha feito mal...), nem entusiasmo com os atletas apresentados.
Nos meios do futebol, como noutros, não é raro agentes usarem um (real ou pseudo) relacionamento com figuras poderosas para parecerem importantes, mas é surpreendente a ascensão ao estrelato decorrente da sucessão de casos de declarações de jogadores e investigações da comunicação social. Importante mesmo é que a justiça faça um trabalho sem falhas e que as conclusões sejam inatacáveis. Será possível?
FIGURA DA SEMANA
Rui Sherlock Pinto Holmes
Regressou a Portugal o famoso Rui Pinto, extraditado a pedido de alguns e principal protagonista de uma novela de suspense cujo enredo tem tudo para nos entreter por muitos anos. Não sabemos da missa a metade, mas a fome com que os poderosos da Europa do futebol pretendem calar o hacker português e desacreditar investigações iniciadas com o Football Leaks são indicadores do receio que paira, lá e cá.
Rui Pinto chegou algemado, mas a cooperação especializada que vai prestar ao Ministério Público e às polícias pode torná-lo numa espécie de Sherlock Holmes essencial para descobrir o fundo do icebergue das mentiras e truques desportivos. Doa a quem doer, é o que espero.