Um artigo de opinião de Ricardo Nascimento
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O jogador chega ao treino, calça as chuteiras… e descobre que vai treinar no campo 3, sem bola, sem colegas, com um adjunto a bocejar e dois pombos a assistir.Tem um contrato com a equipa principal, zero lesões e o mesmo número de processos disciplinares que de prémios da FIFA: nenhum. Mas já não conta para o míster - e o clube espera que ele perceba a dica: “Sai pelo teu pé ou treinamos-te até à reforma”.
Isto é legal? Só se for no código da má educação.
No Direito do Trabalho — sim, até no futebol existe — o empregador tem de assegurar ocupação efetiva. Ora, se o contrato de trabalho desportivo foi celebrado para integrar a equipa principal, e se não há lesão, castigo disciplinar, ou qualquer impossibilidade objetiva, treinar à parte não é “gestão de grupo”. É marginalização contratual.
E se o afastamento for sistemático, sem lesão, sem castigo e só para pressionar saída... então, meus senhores, já não é futebol. É assédio moral. Versão relvada. E não faltam exemplos. Jogadores que passam meses sem serem convocados, sem serem incluídos em jogos-treino, que almoçam sozinhos, treinam às horas mortas e ouvem expressões como: “Já sabes que não contas para o totobola.” Não se trata apenas de gestão desportiva. Trata-se de criar uma situação de desconforto laboral, de isolamento funcional, com intenção de forçar a saída por acordo ou rescisão com “perdão” de créditos salariais. Em bom português jurídico: coação.
Há jurisprudência a dar cartão vermelho a estas práticas. Os tribunais já disseram que o clube paga para treinar e integrar, mesmo quando o jogador não joga. Traduzindo: se o clube encosta, quem falta ao contrato é quem segura o cronómetro.
Mesmo que o jogador aceite calado - o que é comum, por medo de retaliações ou pela esperança de nova oportunidade - o clube não fica isento da sua responsabilidade contratual. O dever jurídico mantém-se. O silêncio do trabalhador não transforma a marginalização em “reorganização técnica”.
Claro que há exceções: lesão, readaptação física, medidas disciplinares em curso ou critérios táticos com fundamento objetivo e temporário. O que não vale é afastar o jogador como quem o empurra educadamente para a porta de saída — sem uma palavra de verdade e com intenções escondidas.
Conclusão? Por muito que o jogador pareça resignado, o contrato continua ali. E se ninguém o rescinde formalmente, ele continua a contar — como uma bola esquecida no meio-campo que ninguém quer chutar, mas que pode acabar dentro da baliza… da justiça.