PASSE DE LETRA - O cronista Miguel Pedro escreve hoje nas páginas de O JOGO sobre a relação dos bracarenses com o mais representativo clube da cidade e sobre a arbitragem da meia-final da Taça da Liga.
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1 - O ano era o de 1985 e a época era, claro, a de 1984/85. Estávamos no início do verão e o campeonato de futebol da I Divisão estava a chegar ao fim. Cheguei de fim de semana vindo de Coimbra, onde estudava Direito. Nesse fim de semana, o Braga iria jogar contra o Rio Ave para a última jornada (acabou por empatar a um golo) e o clube tinha decidido que cada sócio poderia levar um amigo ao futebol.
A época até tinha sido razoável (o Braga terminou em 8.º, logo à frente do rival Vitória de Guimarães) e a equipa do Braga tinha muitos jogadores que eram (e são) da cidade. Alguns até se tinham cruzado comigo na passagem que tive pelas camadas jovens (sei bem que passei ao lado de uma grande carreira...), como o então muito jovem Carlos Carvalhal, o Quim Alberto, o Serra ou o Rifa, que jogavam ao lado dos menos jovens Vítor Santos, Fontes ou Jorge Gomes.
O meu pai também ia ao futebol e disse-me que, se quisesse, podia arranjar dois amigos para virem ao futebol connosco. Após umas idas aos cafés habituais, ao Kurika ou ao salão de bilhar do costume, não consegui ninguém que quisesse vir. A resposta era sempre a mesma: "joga contra quem?... se ainda fosse o Benfica, ou o Sporting... ou o Porto".
O VAR apenas se preocupou em fiscalizar e chamar a atenção para os lances cuja decisão final poderia beneficiar o Sporting.
Eu não conseguia compreender como é que os meus amigos, que eram de Braga, não eram pelo Braga, ainda para mais com uma época bastante boa. Passados quase 35 anos, esta minha incompreensão ainda subsiste nas palavras do atual Presidente no SC Braga, que, no seu discurso de encerramento da Gala Legião de Ouro, pôs, de forma corajosa, o dedo na ferida: o que ainda é preciso fazer para que alguém que seja de Braga, viva em Braga, goste da cidade e seja adepto de desporto e de futebol, seja pelo Braga? Talvez daqui a 35 anos as coisas sejam diferentes. Até porque as épocas têm sido francamente boas...
2 - Ou então, talvez não. Quem viu o jogo da meia-final da final-four, contra o Sporting, consegue perceber porque é que as coisas estão assim no futebol português e porque é que a maioria das cidades, que não Lisboa ou Porto, não consegue arregimentar adeptos para os clubes da terra. O historial das últimas décadas para o adepto bracarense nos jogos contra os três do costume tem sido um acumular de sentimentos de injustiça. Para nós, o que se passou na meia-final da quarta-feira é quase uma normalidade, algo a que já estamos habituados.
Agora sob a égide das novas tecnologias, mas a atitude do árbitro nestes jogos (agora com o VAR ao barulho) é quase sempre a mesma: proteger os ditos "grandes". O VAR do jogo contra o Sporting apenas se preocupou em fiscalizar e chamar a atenção para os lances cuja decisão final poderia beneficiar o Sporting. Não viu empurrões ao Raúl Silva no lance do golo sportinguista, derrube ostensivo ao Dyego Sousa na área do Sporting, nada disto lhe chamou a atenção. Não fosse ele estragar uma longa tradição do futebol português...