Sós num quarto lugar que é cada vez mais propriedade nossa
A distinção entre estas duas formas de ser adepto, simbolicamente separadas pelo uso de minúsculas e maiúsculas, tem a ver com a faculdade que alguns adeptos têm de conseguir perceber para além do mero jogo, da vitória e da derrota
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Há alguns meses, vi uma entrevista com um antigo futebolista alemão e atual dirigente que, por entre relatos sobre as suas memórias e conselhos fundados na sua experiência, disse o seguinte: "No futebol, há dois tipos de adeptos: os que sabem "ver" futebol e os que conseguem "VER" futebol. A distinção entre estas duas formas de ser adepto, simbolicamente separadas pelo uso de minúsculas e maiúsculas, tem a ver com a faculdade que alguns adeptos têm de conseguir perceber para além do mero jogo, da vitória e da derrota, e não concluir que quando se ganha está tudo bem e quando se perde está tudo mal.
O atual modelo de gestão da SAD e do clube bracarense pode ser descrito, em termos muito simplistas, como um modelo que tenta valorizar ao máximo os ativos relacionados com a formação, aumentando o seu valor de mercado, para dar sustentabilidade financeira à SAD e ao clube
Um adepto que "VÊ" futebol sabe que, para além do resultado e da emoção do jogo, existem inúmeros fatores que vão desde as táticas às características dos jogadores e dos treinadores, das metodologias dos treinos até aos modelos gestionários das administrações e muito mais. Isto veio à memória a propósito de ter visto alguns comentários de adeptos bracarenses, que admiro e cujo fervor e amor clubístico são inquestionáveis, que, na dolorosa ressaca das eliminações das taças caseiras, fizeram alguns "statements" no sentido de afirmar que o modelo de gestão da atual administração estará, eventualmente, terminado e urge mudá-lo. Não pretendo fazer qualquer tipo de defesa ou apologia da atual administração da SAD e do clube, longe disso. O que pretendo afirmar é que se me afigura totalmente descabido e desprovido de sentido e de qualquer relação causal ligar estas derrotas ao modelo de gestão seguido pela SAD bracarense. O atual modelo de gestão da SAD e do clube bracarense pode ser descrito, em termos muito simplistas, como um modelo que tenta valorizar ao máximo os ativos relacionados com a formação, aumentando o seu valor de mercado, para dar sustentabilidade financeira à SAD e ao clube. A constante luta da administração pela construção da Academia é o símbolo mais visível deste modelo.
Trata-se, na verdade, de um modelo arrojado e, em certa medida, perigoso. Sabemos bem que não se consegue garantir competitividade desportiva só com jogadores da formação. Por isso, o equilíbrio entre dar a necessária visibilidade aos formandos e a utilização de outros jogadores oriundos do mercado é o segredo de uma equipa competitiva, numa SAD que é, forçosamente (e enquanto nenhuma oligarquia do petróleo a adquirir), vendedora e não compradora. A vitória em Arouca tem, assim, um cariz simbólico: uma goleada assente em jogadores da formação, uma espécie de montra "daquilo que de melhor se produz na Academia".
Com Carvalhal, já 12 jogadores oriundos da formação pisaram os relvados com a formação principal. Faz parte da estratégia, do modelo de gestão, valorizar os jogadores da formação, como Carvalhal confessou ter-lhe sido pedido por António Salvador. E, neste início de 2022, continuamos seguros e sós num quarto lugar que é cada vez mais propriedade nossa e que, graças ao modelo de gestão, nos deixa, ainda assim, algo insatisfeitos. Se fosse há 20 anos, com outros modelos de gestão, estaríamos e exultar de satisfação com esta classificação, a meros seis pontos do poderoso Benfica.