Sistemas do Braga e Tondela: espelhos que mentem
PLANETA DO FUTEBOL - Os sistemas de Rúben Amorim (Braga) e Natxo González (Tondela), José Gomes no Marítimo, Racic, a dupla de centrais do FC Porto e o médio Bruno Costa
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1 - O confronto de sistemas pode ser tão verdadeiro no papel (na teoria) como falso no relvado (na prática). Ou seja, eles podem, à partida, ser desenhados da mesma forma e depois, com a bola a rolar, serem completamente diferentes. O Braga-Tondela foi um bom exemplo de como, tantas vezes, estes jogos de espelhos mentem taticamente.
Sistemas iguais, formas diferentes de jogar, semelhantes hipóteses de ganhar. O que serve para atacar pode não servir para defender
Ambas com sistemas de defesa a três e laterais a subir (3x4x2x1 na raiz, com dois médios-centro, Palhinha/Fransérgio no Braga, Pepelu/Pité no Tondela, atrás de dois avançados mais interiores, Trincão/Horta e Xavier/Murillo, com um ponta de lança em cunha (Paulinho e Denilson). No papel, era assim. Na relva, depois, esses sistemas tiveram (por força da qualidade das equipas/jogadores e suas estratégias) dinâmicas e posicionamentos (do bloco e movimentos) totalmente diferentes.
2 - O Braga sempre no momento ofensivo, em ataque organizado, transformando o sistema quase num 3x4x3, com laterais feitos extremos. O Tondela sempre no momento defensivo, esperando uma saída para o contra-ataque, desenhando o sistema quase num 5x4x1, com os laterais recuados numa defesa a cinco. O golo tondelense (aproveitando erro individual de Bruno Viana na saída bracarense) tornou mais vincados esses dois posicionamentos.
Rúben Amorim mexeu metendo o extremo mais perigoso, Galeno, a partir da posição (teórica) de lateral-esquerdo (ficando num 3x3x4 na parte final). O Tondela, com o decorrer do tempo, foi (pelo desgaste) chegando mais tarde às coberturas e acabou por sofrer dois golos por não fazer esses encurtamentos de espaço de execução nas alas para impedir os centros de Galeno e Esgaio (os laterais... extremos) que viraram o resultado.
3 - Ver como dois sistemas iguais podem jogar de forma tão diferente mostra como nenhum tem vida própria. São os princípios de jogo que cada treinador lhes dá (pela estratégia e obrigações) que os fazem expressar-se. Um confronto de riqueza tático-estratégica, a única que permite a equipas inferiores lutarem pelo resultado com outra superior (embora sem dividir o jogo, antes aguentando-o no momento defensivo perante o adversário forte que, ao invés, o faz no momento ofensivo).
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Natxo González, antes anónimo treinador espanhol, tem sido, para mim, a maior revelação da época do nosso campeonato. Percebeu como se joga no nosso futebol, reorganizou bem os três sectores (sobretudo o meio-campo), junta-os bem e explora ao máximo as características dos jogadores (a defender e, mais ainda, a contra-atacar, pelo que é sobretudo uma equipa perigosa a jogar fora, nas saídas rápidas e no contra-ataque). Nesse ponto, o sistema nunca mente. O resultado é outra coisa.
Poderá o Marítimo mudar?
Assisto ao Marítimo-V. Guimarães e sinto como José Gomes, novo treinador insular, irá ter um trabalho enorme (e longo) para pôr a equipa a jogar como quer. Dificuldades com hesitações na saída apoiada desde trás, pouca qualidade técnica para trocar a bola no meio e incapacidade de pressionar alto na saída de bola adversária.
Em face dessas incapacidades (pelo que são os jogadores e por ainda não ter conseguido incutir as suas ideias), é natural que, durante o jogo, José Gomes ficasse tão tranquilo vendo o onze a baixar o bloco cada vez mais, até ficar plantado atrás quase toda a segunda parte (aguentando o resultado). Não os podia obrigar a mais.
É natural isto suceder. Quem faz as chicotadas raramente pensa em como os treinadores são diferentes e em como as rotinas anteriores podem condicionar aplicação de posteriores. O 4x2x3x1 da equipa é, no caso do uso do duplo pivô, uma necessidade que, se contraria a construção desejada, serve nesta fase para lhe dar maior segurança. Tem defesas fortes em bloco baixo (Zainadine, claro) e, na frente, pode engatar um contra-ataque. Isto não é, no entanto, uma equipa de José Gomes. Nem podia ser, claro.
Bruno Costa é um bom jogador de plantel no FC Porto e indiscutível no onze do Portimonense
MODELOS
Racic: Coesão
Um bom médio, forte, com técnica, canhoto, possante a sair da pressão, dando maior poder físico ao sector sem lhe tirar qualidade técnica de saída. É um n.º 8 possante (1,93 m e 86 kg) que sabe recuar para ajudar o n.º 6 ou subir para linhas mais adiantadas e rematar. Está a crescer à medida que conhece a equipa e o nosso futebol. Com 21 anos, o sérvio Uros Racic está emprestado pelo Valência ao Famalicão. É claramente jogador para voos mais altos. Neste momento, é o peso pesado de técnica que dá corpo físico ao meio-campo famalicense.
Centrais: Dupla
Quando falam sobre um central, quero logo saber com quem irá jogar ao lado, porque a sua qualidade pode ficar condicionada pela dupla que fará. Vejo sempre um central como "pai" do outro, que assim cresce na sombra do patrão. Dá-lhe segurança. Diogo Leite, no FC Porto, precisa desse apoio tutelar para entrar no onze principal. Mbemba (noutro contexto) ou Diogo podem ser centrais razoáveis, mas só jogando um (ao lado de Pepe ou de Marcano). Juntos, estão longe do "nível FC Porto". Os centrais devem sempre ser analisados em dupla e não só individualmente.
Médio: Como crescer?
Não sei os contornos da saída do FC Porto, mas uma coisa é clara: Bruno Costa é um bom jogador de plantel no FC Porto e indiscutível no onze do Portimonense. Tem é de estabilizar os seus instrumentos de crescimento. É um médio que tanto sabe pressionar como conduzir a bola para jogar. Maneja bem esses dois momentos, como também os dois espaços das faixas ao centro. O problema agora é mesmo encaixar a melhor forma de crescer em cima desses fundamentos de jogo (intensidade tática e técnica).