"Sérgio Conceição assumiu a sua azia, tal como o seu adjunto"
FOLHA SECA - O mau perder não tem cor e a azia é a única coisa garantida no futebol
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Há um mês, o Crystal Palace venceu o City em Manchester e, no fim do jogo, Roy Hodgson, o veterano treinador de 71 anos, quase pediu desculpa a Guardiola por lhe entrar pela casa dentro e ganhar. O catalão abraçou-o com a benevolência dum príncipe perdoando a ofensa dum plebeu, um abraço apressado e pesaroso, o torniquete possível da sua azia, com as câmaras de televisão mostrando todos os sinais.
Não há ninguém que tenha bom perder. Há, sim, azias bem disfarçadas. O Porto foi acusado de falta de desportivismo por não ficar para a entrega da Taça da Liga - um discurso fácil quando se ganha. A Imprensa foi lampeira a explorar a questão. Ora, a memória do adepto, seja de que clube for, puxa logo a culatra da contabilidade e contrapõe exemplos doutros tempos. É um exercício tão inútil como apanhar gambozinos, mas não há como evitá-lo. No ano passado, nas meias-finais, o treinador de guarda-redes do Sporting camuflou-se entre repórteres atrás da baliza e orientou Rui Patrício nos penáltis, beneficiando da distracção do árbitro. No fim, não se falou em fair play e soprou até uma vénia glamorosa de chico-espertismo. Em 1994, no Jamor, o capitão do Porto subiu à tribuna para receber a Taça de Portugal entre safanões e enxovalhos, sem que no campo pontificasse um jogador do Sporting. Para não falar da recepção ao autocarro azul e branco em Alvalade no ano seguinte, quando ruiu um varandim, arrastando adeptos leoninos em fúria e causando dois mortos. A atitude do então médico do Porto, Domingos Gomes, foi sair do autocarro e socorrer os feridos, valendo-lhe o agradecimento da Direcção da casa, que ele considerou exagerado por ter apenas cumprido o seu dever.
Também é imprudente ligar atitudes circunstanciais a uma suposta cultura de clube. Essa estrada acaba sempre por vir dar ao nosso próprio quintal. As últimas impressões, se favoráveis, mostram sempre o brilho eleito das nossas cores, mas no fim, mais insulto ou menos insulto, o barro é todo o mesmo. O futebol é avaro em pedigree. Sérgio Conceição assumiu a sua azia, tal como o seu adjunto. Ninguém se deve orgulhar nem envergonhar por perder a compostura. Acontece a todos. Não há um manual do bom perdedor. Mas prefiro a franqueza trovejante à sonsice aveludada. O Porto pode ter sido melhor, mas não foi assim tão melhor, porque senão teria evitado os penáltis, onde a derrota marinava no subconsciente dos jogadores. Só por isso deviam ter ficado na relva a entoar cânticos de penitência. A azia pode ser pedagógica. É um pouco como ir a funerais. Ninguém gosta, mas vai. Assistir ao funeral duma vitória fugida no último minuto seria melhor do que ir remoer para o balneário. Mas lá está, o manual de bem perder não existe. E os que hoje pregam elegância na derrota estão apenas a adiar o reflexo no espelho. Se há coisa que o futebol garante a todos, é a azia. É por isso que, em matérias de fair play, não ponho as mãos no fogo por ninguém - nem sequer por mim mesmo. Mas invejo os que põem. Deles é o reino da bola.