PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 O passado e o futuro estão relacionados e próximos (mesmo quando temporalmente distantes) mas para se tocarem necessitam de outro tempo. É o que chamamos presente, uma espécie de trapézio sem rede, no qual caminhamos diariamente.
Quando não conseguimos, como agora, olhar para "o que está para vir", olhamos para trás. Emigramos para locais que já não existem. Estamos hoje na vida como na sala de embarque de um aeroporto, um "não sítio". Estar lá, é como não estar em lado nenhum.
Mas isto é uma crónica de futebol. Continua a ser. Necessitamos de algo que nos estimule, algo que nos dê esperança Recordo Levir Culpi, treinador brasileiro com muitos anos de "cheiro de relva" que escreveu a sua biografia e chamou-lhe "Burro com sorte". Como nasce um título assim?
2 Recuemos a 1992 e Levir orientava então uma bela equipa do Criciúma, como Jairo Lenzi, Roberto Cavalo, etc., que foi longe na Libertadores onde só caiu nos quartos-de-final frente ao futuro campeão mundial São Paulo, de Telê Santana. Na mesma época, num jogo do estadual catarinense, contra Joinville, num campinho pequeno do interior, precisava pelo menos empatar, mas, apesar de estar a pressionar, ia perdendo 0-1. Atrás dele, junto à rede, um adepto insultava-o de tudo por não mexer na equipa. O tempo passava, o golo não aparecia. O adepto espumava cada vez mais chamando-lhe burro. Até que pelos 75 minutos, Levir chamou o Grizzo, espécie de segundo avançado rompedor. Mal chegou perto, Grizzo disse-lhe: "Não precisa falar nada, agora precisa de mim para resolver a partida". Pois era, confessou Levir. Mas, o pior mesmo foi quando fez a substituição e tirou o ponta-de-lança Chicão, a precisar marcar. O adepto berrou com toda a força. O técnico era burro mesmo. Levir pensava que tirando a referência do nº9 clássico, o Grizzo podia entrar de trás e assim foi. Numa tabelinha, furou a defesa, isolou-se e mesmo no último minuto empatou o jogo.
3 Após o apito final, Levir festejou e foi logo procurar o adepto que o insultara o tempo todo do jogo. "Então, e agora, não fala nada?" O adepto olhou para ele e respondeu enfurecido na mesma: "É burro sim, é burro com sorte!". A resposta desarmou Levir até hoje. O adepto tinha a sua razão e a frase virou título de livro muitos anos depois. É por aqui que estamos. A precisar da substituição certa e da palavra que mais detesto usar na vida. Sorte. Até que ponto toda esta situação nos está a fazer perceber os poderes que temos ou não? Com todo o mundo com bola parado num "não sitio existencial", olhamos para trás. Quase tudo na realidade que vivemos não faz sentido. Sermos burros com sorte já era muito bom.
Fechado para obras
Até que ponto o futebol necessita de adeptos num tempo em que se fala tanto do "cliente final"?
Pertenço a uma geração que vivia o futebol através da rádio, das fotografias e crónicas dos jornais, de ver todos os jogos que podia, tantas vezes de pé atrás da baliza. Estas raízes emocionais são indispensáveis. Sem isso não há futebol. Há antes o negócio do futebol. E, assim, por mais esforço que faça, fico órfão de emoções.
O novo mundo empresarial vangloria-se da sua frieza na tomada de decisões. Desta forma, marca a sua distância para os outros. Quais? Os que falo pertencerem a esse outro mundo perdido de outrora. Num mundo dominado pelo "conceito do ódio", com personagens que são "caixas de comentários com duas pernas", o futebol é hoje um ser capturado. Mas, como podem pretender então esses novos agiotas chegar ao "mercado"? Os jogos à porta fechada serão um belo ensaio para esta casta. A quem motiva palavras como disciplina, sacrifício, gestão, eficácia? Seria inteligente perguntar-lhes se sabem o que é uma bola.