PREMIUM >> A Liga tenta inventar prazos, mas a realidade é que estamos presos numa armadilha temporal da qual não podemos sair com simples intenções
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1 - Não consigo, honestamente, analisar e avaliar o plano divulgado ontem pela Liga sobre como terminar os campeonatos desta época a partir do final de maio. Penso que, mais do que um plano estabelecido, é um plano de intenções. Ou seja, percebo a vontade e necessidade de recomeçar e acabar os campeonatos, por razões desportivas e financeiras (ambas urgentes), mas a verdade é que, neste momento, qualquer plano tem a fragilidade de não sermos donos do tempo nem do destino. Ninguém sabe quando tudo isto irá dar tréguas (acabar só quando a ciência vencer) ou permitir que o futebol ponha o nariz fora da porta.
Não vejo esse horizonte tão próximo. Partilho das intenções (desejos), não acompanho essa previsão (plano). Infelizmente.
2 - Jogar à porta fechada é a ultima coisa que gosto de ver no futebol. Seja porque for. É futebol "in vitro". Mesmo quando por castigos, é penoso ver esses jogos. Nem se sente o futebol. Quem o joga e quem o vê. No caso atual, admito-o se as condições de segurança estiverem asseguradas. Mas duvido. É que, dentro dessa caixa vazia com futebol dentro (por trás dessa porta fechada), existem seres humanos vestidos de futebolistas e muitas pessoas (técnicos, funcionários, jornalistas, etc.) que ficarão fora do distanciamento social imperioso. Vejam os estilhaços pandémicos dos jogos feitos nessas condições - Valência-Atalanta e PSG-Dortmund - para perceber o risco escondido.
Estamos presos numa armadilha temporal da qual não podemos sair com simples planos de intenções. Reduzidos à nossa insignificância humana perante o invisível. Não é guerra. É lição de vida.
3 - No plano para acabar a época, surge um sistema de treinos por grupos que torna toda a situação do regresso "in vitro" mais inverosímil. Os jogadores treinam em grupos por segurança sanitária e depois defrontam-se, em naturais contactos de jogo, onze contra onze. Não há qualquer sentido, desportivo ou de saúde, nesse plano.
Cada vez mais penso que o horizonte deve passar por preparar da melhor forma possível o início da próxima época. Temos de ter a noção da nossa curta dimensão humana no tempo para perceber que nada disto faz sentido perante algo que ficará na história em muitas páginas.
Se a época tiver de terminar sem campeões, não é nenhum drama de vida. Sei que custa para quem sente e vibra com o futebol e seus clubes, mas essa importância é por acharmos sempre que o nosso tempo presente é o mais importante de todos quando, nos ventos da história, nem uma linha de fundo de página será. Temos é de ganhar o campeonato da vida. Para lutar pelo próximo. Nas ruas e nos relvados.
O tempo e os símbolos
Não sei se a intenção é (ou era) mesmo verdadeira, mas achei curioso quando há dias surgiu a notícia de que o Sporting pensava reconstruir o seu plantel tendo como núcleo forte fazer regressar jogadores que no passado recente marcaram as suas equipas, tanto pela qualidade como por se tornarem símbolos leoninos. Nomes como Adrien, Miguel Veloso, João Mário, Cédric e Slimani.
Teria um lado romântico ver um novo Sporting querer renascer apelando a uma ligação emocional de quem veste a camisola sentindo-a de forma diferente. Acho que os adeptos iam, no coração, sentir o mesmo, sobretudo na entrada em campo dessa equipa de "outros tempos e ao mesmo tempo do presente", mas depois o jogo tinha mesmo de começar e, então, receio que esse mesmo coração não aguentasse. Porque para além da ideia emocional, existem a racional do futebol e a massa de que são feitas as grandes equipas. O Sporting necessita de um plano claro de renascimento enquanto identidade unida. A equipa tem de incorporar o espírito de equipa grande, mas não olhando para trás. Tudo tem o seu tempo.