PLANETA DO EUROPEU - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Será exagerado dizer que o séc. XXI pode conhecer um novo futebol italiano, renascido após a queda no abismo (que a levou a ficar fora do Mundial) e hostil ao seu velho "catenaccio", mas os primeiros jogos/ deste Euro provocam essa sensação histórica contra-cultural a nível de estilo.
O 4x3x3 de Mancini não tem o tal criativo "trequartista", que desapareceu da bases da formação do jogo italiano, mas, de repente, surgiram muitos médios íntimos do bom futebol com bola para atacar.
Verratti, lesionado, deixou a sua casa tática n.º 8 vazia, poderá estar para regressar agora mas vai encontrar lá dentro um habitante difícil de tirar: Locatelli. Critério e inteligência em todos os movimentos, demonstrando que um jogador é, antes de tudo, uma equipa (isto é, a incorporação duma ideia de equipa). O "regista" italiano recuou no terreno e extinguiu o "trequatista".
Por isso, Locatelli vem de mais longe no terreno (do segundo quarto, não do terceiro) mas sabe na mesma chegar à frente. Nessa distribuição de aceleração defesa-ataque, Barella é o chamado "inserimento", mas a mudança de chip de jogo é de Locatelli. Duas faces de ser n.º 8 num meio-campo onde esta Itália tem muitas soluções de evolução.
É uma rutura com o "dolce fare niente" da expectativa para soltar a sua latinidade tecnicista mais pura com bola e, sem ela, na ânsia por a recuperar.
2 - A melhor forma de responder a uma equipa com grande capacidade de pressão nem sempre é com mais pressão. Em geral, a consequência dessa opção é tornar o jogo num choque físico e, nesse tipo de duelo, quase sempre a que melhor joga perde o seu controlo.
Por isso, a Holanda não respondeu a essa provocação pressionante austríaca (sempre em bloco subido, com Schlager a encher o meio-campo) e preferiu manter-se organizada (mesmo que recuando um pouco) para, depois, com a sua maior qualidade de passe aproveitar a profundidade.
O facto de ter ficado a ganhar cedo, facilitou esta ideia/estratégia, onde Wijnaldum é um jogador imune à pressão pela forma como sai dela, ora pela qualidade técnica como segura a bola e foge desses marcadores, ora como ganha em antecipação os espaços vazios e faz a equipa jogar (lançando Depay).
Este upgrade do processo defensivo holandês é o que, neste momento, torna a seleção laranja mais forte. De Boer coloca mesmo a equipa a defender a "5" na organização defensiva e isso dá-lhe uma consistência sem bola (e tranquilidade de reação à perda pelo posicionamento seguro) que antes não tinha. Desta forma, começa a atacar melhor quando não tem a bola. Uma organização defensiva serena e agressiva... ofensivamente sem se desgastar com a intensidade de ter de jogar em pressão.
A tática tem raça
Tem a perceção exata dos espaços a ocupar ou invadir para pedir a bola. Ramsey é um 10 móvel que domina o jogo pela técnica quando tem a bola e pela visão de posicionamento quando não a tem, dando soluções de passe progressivo à equipa. Gales tem, na raiz, a alma lutadora britânica, mas o meio-campo do seu 4x3x3, Joe Allen-Morrell-Ramsey, é um manual de jogo posicional no sentido de preencher sempre os espaços certos em triângulos de apoio, para ter bola ou recuperá-la. Um meio-campo tático que, antes da raça, corre com cabeça e conecta com Bale e James, mais, claro, o tradicional n.º 9 possante, com mais lesões na cabeça do que nas pernas. No primeiro jogo abriu o sobrolho, no segundo partiu um dente.
Vejo a Ucrânia e é inevitável perguntar sempre porque Yarmolenko (estrela de Kiev) não brilha num campeonato de grande dimensão (apagou-se no Dortmund e West Ham) como na seleção. O golão que fez à Holanda, outro à Macedónia, sempre em jogo. Talvez a razão esteja no que chamo a voracidade do ego. Ou se tem, ou não se tem. Há jogadores que têm uma confiança quase insolente em si mesmos, e outros de mentalidade quebrável. Yarmolenko pertencerá à segunda casta. Sem essa voracidade, não é possível respirar numa atmosfera de exigência máxima.