Que emoção estará por trás dum derby
FOLHA SECA - O treinador do Liverpool desatou aos saltos pelo campo e tornou irrisórios os festejos do derby seguinte, que levaram Sérgio Conceição a ser expulso
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Há uma coisa que os derbies não prometem: flores. Quanto ao resto, tudo pode acontecer, a começar pela irracionalidade. Podemos especular sobre o que está por trás de cada derby - uma velha rixa desportiva entre bairros mitificada pelo tempo. Ou indagar o porquê do arrufo parecer maior entre vizinhos do que entre rivais distantes. Certo é que jogadores e adeptos abrem a válvula toda e depois partilham as mesmas ruas e os mesmos cafés. É caso para dizer: melhor no estádio do que no divã.
No passado domingo vi um derby inteiro e pedaços de outros dois. O dia tinha começado com Chelsea-Fulham (que não vi), vizinhos da mesma rua, um rico e outro pobre, o derby do oeste de Londres que já teve reforço policial, mas com os adeptos esgrimindo hoje na bancada um decente ódio de classe.
Seguiu-se Arsenal-Tottenham, a norte, onde o atrito remonta a disputas territoriais de começos do século XX, quando o Arsenal migrou do sul para a freguesia de Highbury e foi mal recebido pelos nativos da freguesia do lado, Tottenham, com um clube ligado a judeus, daí o cheiro extra a gasolina em volta desses jogos. O Arsenal começou bem, mas o visitante deu a volta. Entre picardias colectivas (sim, também existem no céu da Premier League), os da casa reagiram e ganharam 4-2. O treinador do Tottenham entrou em campo para apartar os seus jogadores, que estavam de cabeça perdida, mas o árbitro advertiu-o por sair da área técnica, apesar das boas intenções.
A tarde entrou pelo derby de Liverpool. Entre Anfield e Goodison, pouco mais do que um parque verde. Na base da rivalidade, remotas questiúnculas religiosas entre metodistas e protestantes. O que o Everton não perdoa ao seu vizinho é o facto de ter sido impedido de disputar a liga dos campeões das últimas vezes que venceu o campeonato, em 1985 e 1987, por causa do castigo imposto às equipas inglesas após a tragédia de Heysel, obra dos fãs do Liverpool. O jogo foi renhido. No fim, o guarda-redes do Everton deu uma fífia e o oponente ganhou. O treinador do Liverpool desatou aos saltos pelo campo e tornou irrisórios os festejos do derby seguinte, que levaram Sérgio Conceição a ser expulso.
A tensão entre Boavista e Porto vem do tempo de Pedroto e Pacheco, e depositou no Bessa a insígnia de quarto grande, hoje em Braga. Apesar de este Boavista estar longe do antigo, a brasa não esmorece. Quem acha que o jogo de domingo foi polémico e intenso é porque tende à desmemória. O Porto teve várias chances de golo mas os jogadores foram na conversa e não tiveram cabeça fria. Uma das diferenças entre este derby e os outros esteve no árbitro - incapaz de impor limites ao antijogo. Não é por acaso que a nossa liga é a que tem menos tempo útil jogado em toda a Europa. Os árbitros portugueses não se fazem respeitar e o ambiente de suspeita permanente só mina a pouca autoridade que já têm. Qualquer árbitro dos derbies ingleses daquele domingo teria metido o jogo na ordem sem baixar a fervura, começando pelos bancos.
Mas alguém esperava flores?