PLANETA DI FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Os adeptos britânicos têm os melhores cânticos de futebol do mundo. O "You"ll never walk alone" arrepia quando entoado em Anfield ou no Celtic Park, mas a música que mais me fascina é outra. Surge nos momentos de maior incerteza e aflição, altura em que os adeptos, muitos embalando-se abraçados, com alma, cantam "Que será, será, Whatever will be, will be", assim mesmo, sucessivamente nas duas línguas, numa atitude de irremediável conformismo com o que vier acontecer, seja o melhor ou o pior que mais temem.
É assim o futebol. Não há nada a fazer, não adianta sofrer tanto por algo (muito menos em antecipação) que não controlamos. É assim a vida. Se queres que ela se ria de ti, então faz planos para ela. De um momento para outro, o jogo (da vida) muda. Não adianta procurar razões quando esta já não reina.
A música nasceu, longe das bancadas, num filme de Hitchcock, "O homem que sabia demais", de 1956, e foi cantada no original por Doris Day. Na verdade, a pergunta, no filme, era uma pista para o filho que estava raptado.
2 Sinto-me (como todos nós) como que colocado nessas mesmas situações. Últimos minutos dum jogo decisivo das nossas vidas ou em busca de pistas para fugir do rapto da existência. Imitando Hitchcock, o suspense real come-nos nas entranhas dos dias. Estamos preparados para sofrer o golo no último segundo.
A vontade de que o futebol volte move-se. Mais do que saber quem ganha (as razões desportivas) tenta-se evitar, quase sobre a linha, que a bola entre e salvar o modelo de negócio que suporta todos os agentes que fazem e vivem dele (razões financeiras). Por isso, falamos tanto em datas mesmo sem saber no que mexemos. Não estamos habituados a viver ficando à espera. Muito menos no futebol. Acaba um jogo e logo pouco depois já pensamos no próximo.
O lugar comum de dizer "vive-se depressa de mais" é, afinal, uma ilusão. A realidade está no oposto: morre-se é depressa de mais.
Buscamos memórias de algo que julgamos ter sido há muito tempo e, afinal, foi só há algumas semanas. As 24 horas antes curtas agora não param de crescer porque a dor não passa tão rapidamente como a alegria.
3 A ansiedade torna-nos confusos. Voltando-se a jogar, não serão permitidos cumprimentos de mão mas, depois, como irão ser festejados os golos? Ou como o central e o ponta-de-lança irão agarrar-se mutuamente antes dum canto? Não temos poder emocional para deixar de sentir o mesmo. Quanto pode valer um abraço num desses próximos jogos que tanto queremos ver? Nem o novo futebol nem os jogadores irão mudar. Devemos é acostumar-nos a conviver com os esqueletos do velho. Não adianta vestir Messi de Che. O que será, será.
Ousar errar!
Existem jogadores que se enganam mais do que outros, mas não é por serem piores. Pelo contrário. Enganam-se mais devido apenas à sua forma diferente de jogar! Pensem em jogadores como Brahimi, Rafa, Vietto, Galeno, Luis Díaz, Grimaldo, exemplares desse tipo que nunca hesitam quando podem jogar para marcar a diferença.
Já sei que também terão pensado nos menos dotados tecnicamente quando tentam fazer coisas que... não sabem, e enganam-se (quase) sempre. Pensemos também nos "burocraticamente seguros", que jogam simples no passe curto, que aliviam a bola em vez de "sair a jogar", que cruzam logo em vez de fintar antes para ter o melhor espaço para o fazer. Esses não se enganam, porque não ousam... errar.
O campeonato está parado, mas tento recordar jogadores desses e são cada vez menos. Na lista acima até fui buscar um exemplo perfeito que já partiu e de quem sinto falta do estilo. Sinto falta de o ver enganar-se pela forma como jogava. Não gosto de jogadores que acertam sempre mas que nenhuma vez, em tantos acertos, fazem a diferença. Apenas mantêm a máquina em movimento.