FOLHA SECA - Opinião de Carlos Tê
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Quando a bola deixa de cantar para uma equipa, ou para um jogador, há sempre um emaranhado de razões, tal como há quando a bola resolve cantar de novo. As equipas que têm planteis bons e sortidos, mesmo quando perdem um elemento-chave, conseguem manter a fluência e a afinação porque sobe outro ao palco sem que se dê pela mudança. Outras, de peso igual, tornam-se problemáticas porque o aglomerado de talento gera insatisfação, daí alguns treinadores preferirem planteis mais curtos para não se desgastarem como gestores de frustrações.
O sal do futebol está na zona de mistério entre a cantoria e o silêncio. Quando a bola canta de modo eloquente, o treinador é um maestro na posse dum segredo. Já escrevi aqui sobre o Girona, que o desconhecido Michel faz cantar há meio ano em Espanha. Qual é o segredo? No fim do jogo contra o Atlético de Madrid - um electrizante 4-3 com o golo decisivo nos últimos segundos num soberbo remate de fé -, a equipa tinha à porta do balneário uma câmara de televisão. Quando Michel entrou, a câmara seguiu-o e mostrou os jogadores dançando em cuecas, como se festejassem o título, ou como se apenas dissessem: sabemos que não vamos ser campeões, mas divertimo-nos enquanto a festa dura. Aquela vitória garantia-lhes o primeiro lugar ex-aequo com o Real. Reparei que ao centro do balneário havia duas mesas de matraquilhos e, por momentos, passou-me pela cabeça que aquele mobiliário inocente podia estar por trás do êxito do Girona. Tal como as grandes vedetas pop que, para aliviarem a tensão pré palco, exigem máquinas de flippers nos bastidores e camarins aromatizados com fragrâncias exóticas, pensei nos matraquilhos como o pequeno segredo de Michel, a válvula libertadora, o limpa-chaminés, o cimento do team-building, o fio que une as coisas ocultas que fazem um vencedor e elevam o míster à condição de Bernstein afortunado, tal a felicidade com que a bola canta na relva.