PASSE DE LETRA - Um artigo de opinião de Miguel Pedro.
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A segunda fase da Cidade Desportiva vai representar um investimento de 26M€. É uma mensagem de pujança do Braga
1 Na crónica anterior, inventámos uma história verdadeira, à maneira de Jorge Luís Borges, que pretendia transmitir a ideia de que o total domínio de três clubes é uma espécie de "arquétipo junguiano", uma prática enraizada na comunidade, decorrente do inconsciente coletivo português, que tudo controla, até o próprio poder político. Fizemo-lo a propósito da reunião promovida pelo primeiro-ministro português com a FPF, a LPFP e os tais ditos clubes, e escrevemos no pressuposto de que a presença algo inusitada dos clubes fora uma ideia do próprio primeiro-ministro. Soubemos, depois, que assim não foi. A presença dos tais clubes foi uma ideia... dos outros clubes. Por isso, fazemos a nossa "mea culpa" e endereçamos o pedido de desculpas a António Costa. Mas isso não nos apazigua o espírito. Bem pelo contrário. A crónica - e a mensagem que lhe esteve subjacente - ainda faz mais sentido, pois percebemos agora que a legitimação do poder dos "três habituais clubes poderosos" encontra acolhimento mesmo nos seus pares, de forma algo subserviente. Mundo estranho em que vivemos...
2 Num momento de incerteza, onde muitos clubes entraram em lay-off, outros clubes deixaram de cumprir os contratos com a desculpa da pandemia e, de uma forma geral, teme-se pelo futuro da modalidade. O SC Braga mostrou esta semana a fibra de que é feito: a assembleia-geral da SAD aprovou a segunda fase da Cidade Desportiva, um investimento de cerca de 26 milhões de euros. Mais do que uma mensagem de pujança, afirmação, confiança e esperança no futuro, esta aprovação, nos tempos que correm, é a confirmação de que o clube minhoto é o que está atualmente mais bem preparado para enfrentar os próximos tempos e tem uma estratégia bem pensada para preparar o seu futuro.
3 A situação atual do futebol português é difícil, pois gerir em cenários VUCA (volatility, uncertainty, complexity, ambiguity) não é trivial. A FPF não tem mostrado grande coerência na comunicação e na tomada de decisão sobre a forma como os campeonatos foram cancelados e serão retomados. Inicialmente, a federação anunciou que cancelava todas as provas não profissionais e de formação e que não existiriam subidas, nem descidas. Causa, pois, espanto o recente anúncio de que a Liga BPI (I divisão do futebol feminino) é alargada de 12 para 20 equipas. Foi um autêntico terramoto! Ao contrário de se reduzir o número de equipas para aumentar a competitividade, fez-se o contrário e com uma magnitude que rebentou a escala de Richter. Usou-se, no caso das equipas que subiram da II divisão para a Liga BPI, critérios radicalmente diferentes dos que se aplicaram para determinar que clubes subiram do Campeonato de Portugal para a II Liga. Este alargamento no escalão de elite do futebol feminino significa um "retrocesso civilizacional" tremendo. Não há, em Portugal, jogadoras em quantidade e qualidade para se organizar uma prova com tantos clubes. Numa altura em que se esperava pouca perturbação no edifício em que assenta o futebol português, parece-nos que há alguns sinais preocupantes.