VISTO DO SOFÁ - Um artigo de opinião de Álvaro Magalhães.
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Aproxima-se a fase de qualificação do Euro"2024 e nada se sabe sobre o novo seleccionador. Será Mourinho, Jesus, Rui Jorge, ou já há um acordo verbal com o espanhol Roberto Martínez, como afirma o jornal The Athletic?
Não se sabe. Da parte da FPF, não soou até agora uma só palavra sobre o assunto. Mas isso já se esperava. Fernando Gomes tem uma estratégia simples e eficaz, que cumpre religiosamente: o silêncio.
Quando Fernando Santos foi acusado de fuga ao fisco, Fernando Gomes nada disse sobre o estranho contrato que fez com ele e que já era uma espécie de plano prévio de fuga aos impostos. Durante o Mundial, quando toda a gente falava pelos cotovelos, até os políticos (o presidente Marcelo comentava os jogos antes, depois e, por vezes, também no intervalo), o presidente da FPF não abriu a boca, nem sequer para comentar o desempenho da selecção ou as polémicas que envolveram Ronaldo e tanto deram que falar. Aos outros, claro. Disso (falar) estava Fernando Gomes livre. O silêncio é o seu sistema respiratório.
Muitos falam para exibirem qualidades e talentos, mas o verdadeiro talento não consiste em saber o que se há-de dizer, consiste em saber o que se há-de calar. O presidente da FPF também não sabe ao certo o que há-de calar. Por isso, fica sempre calado, para ter a certeza de que não falha. Porém, o seu silêncio não é arrogante, próprio de quem acha que não deve satisfações a ninguém, é mais uma atitude defensiva, própria de quem não confia nas palavras, que podem expor, criar problemas, virar-se contra quem as usa.
Com um presidente assim, não admira que o pessoal do Gabinete de Comunicação da FPF pouco comunique e quase se limite a lançar água para cima dos focos de incêndio, evitando que alastrem. Na FPF, todos cumprem a ordem sagrada: «Chiu!»
Num tempo de ruído e fala-baratos, este silêncio não incomoda. Pelo contrário, é um bálsamo; e também é paz, pois baixa o volume de qualquer discussão, até ela deixar de se ouvir. Os palradores dos programas televisivos insurgem-se, de vez em quando, contra o silêncio obstinado de Gomes, mas, como ficam a falar sozinhos, depressa gastam o combustível e acabam por se calar.
Essa paz foi, aliás, a pedra sobre a qual Fernando Gomes ergueu a era mais próspera e feliz de sempre da FPF. No seu mandato, nasceu a Cidade do Futebol e a selecção principal ganhou um Europeu e uma Liga das Nações, mas o sucesso estendeu-se às selecções mais jovens, até ao futebol feminino e ao futsal, que conseguiram feitos inéditos. A prosperidade desportiva e financeira é tanta que o presidente silencioso se deu ao luxo de criar um canal televisivo, o 11, uma extravagância sem utilidade visível, que se limita a fazer o que os outros canais fazem, só que pior. Ah, e a transmitir jogos imperdíveis de futsal feminino de sub-17.
Seja como for, olha-se para o mandato de Fernando Gomes e vê-se perfeitamente a imensidão da obra feita. Olhem, pois, para o que ele fez, não para o que ele (não) disse. E, mais importante ainda, aproveitem as suas preciosas lições de silêncio.