FOLHA SECA - Um artigo de opinião de Carlos Tê.
Corpo do artigo
Durante uma das sessões da comissão de inquérito ao Novo Banco, um azougado deputado da Iniciativa Liberal perguntou a Luís Filipe Vieira como é que explicava os 100 milhões gastos no Benfica para ficar em terceiro no campeonato.
Deslocada, a pergunta talvez pretendesse provar apenas que LFV era tão mau gestor desportivo como devedor ao NB, pois era nesta condição que estava no Parlamento, mas veiculava uma ideia muito em voga: a X investimento num clube terão que corresponder N triunfos, como se o manual da boa governança seja suficiente para contornar todos os caprichos da bola.
A vitória do Sporting na Liga foi útil, ainda que intragável para um portista, por desmontar essa ideia e por lembrar que o futebol não perdeu o sal da imprevisibilidade e mantém acesa a sua chama primitiva. Ou seja, foi uma chapelada da gestão semi amadora à gestão profissional.
Se o médico Frederico Varandas tivesse seguido o conselho do presidente do FCP para se dedicar ao estetoscópio, não teria contratado Rúben Amorim ao Braga, em Março de 2020, num lance digno do Pinto da Costa de outros tempos, reforçando duma assentada o Sporting e golpeando mortalmente um adversário directo. Nem lhe teria dado carta branca para seguir os mandamentos da bola e escalar os melhores, sem atender ao valor do passe ou à idade, pondo a equipa à frente de tudo. Isto enquanto o próprio Amorim era posto em causa pela sua associação profissional (ANTF) e tinha que acabar à pressa o último grau do curso de treinador para se sentar no banco. Entretanto, Varandas manuseava o estetoscópio e ainda tinha tempo para mostrar às claques quem mandava.
Houve quem afirmasse que a sorte do Sporting foi ter caído no play-off da Liga Europa, evitando o desgaste duma época mais dura. Mas também seria legítimo argumentar que quem não tem um plantel que permita a rotatividade sem perder o calibre competitivo não pode ter vícios europeus (o Porto tem esse vício feliz, mas pagou-o caro). Também disseram que a chave do êxito leonino residia na impossibilidade de fazer grandes compras, obrigando a lançar jovens talentos, esquecendo as contratações módicas e certeiras de Porro, Fedal, Pote, e o despacho de activos valiosos (adoro esta expressão) como Wendel, Acuña, Vietto, que o treinador considerou daninhos ou não essenciais à equipa.
Moral da história: O Sporting foi mais clube e menos SAD ao priorizar a visão futebolística sobre a visão empresarial, sabendo que a primeira recompensaria a segunda se bem sucedida. O facto da estratégia do jackpot assentar num presidente em part time e num treinador de diploma recente, é uma ironia saudável e parece uma lição do próprio futebol. No caso do Benfica, devido à ressonância dos milhões, é mesmo uma goleada. Quanto ao deputado da IL, terá que rever as sebentas e pesquisar o assunto: não é a mesma coisa gerir clubes e empresas. Foi pena Varandas não ter resistido à santimónia na hora da vitória. A lição virá mais tarde: o futebol castiga todo o armanço. É uma lei da física.