PLANETA FUTEBOL - A crónica de domingo de Luís Freitas Lobo
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1 - Os nomes dos maiores heróis não são valores absolutos. O Manchester City é hoje um império faraónico de futebol que pode "comprar tudo" no topo do futebol inglês, com o dinheiro do Sheikh Mansour. Antes dele, porém, já existia Maine Road, o estádio que viu os "citizens" durante longos anos, mesmo quando mergulhou na III Divisão inglesa (a Divsion Two). Não vai assim há tanto tempo.
Por isso, façam um exercício com os seus adeptos mais devotos. Coloquem-lhes dois nomes, Sergio Aguero e Paul Dikov, e peçam-lhes para escolher só um para ser "o herói do Manchester City" no seu tempo de vida.
Não duvido de que o mais novo nomeie logo Aguero e recorde os seus golos, sobretudo aquele no último instante do jogo contra o QPR, na última jornada da época 11/12, onde, após ter entrado para o tempo de descontos a perder 1-2, o City fez o 3-2 (antes Dzeko fizera o 1-1, aos 91") e conquistou, assim, a vitória indispensável para ser campeão inglês, após 44 anos do seu último título!
O adepto, digamos, mais religioso, dos "citizens" terá, no entanto, outro amor mais forte, porque foi ele que o tirou do sofrimento mais profundo quando a equipa, ao mesmo tempo que o arquirrival United era campeão europeu, caíra na cave escura da III divisão.
2 - É onde entra o nome de Paul Dikov e de um onze que, no mesmo ano do milagre do United em Camp Nou (ganhando a Champions nos descontos, virando de 0-1 para 2-1, contra o poderoso Bayern Munique), fez o mesmo em Wembley, perante um não tão poderoso mas talvez, nas devidas proporções do confronto, assustador Gilligham, que defrontava no play-off de subida à II Divisão.
Nesse mesma época, ao chegar aos 90 minutos desse jogo, o Gilligham vencia 2-0 (marcara o segundo golo aos 85 minutos) e todo o mundo do City já abandonava o estádio, na mais profunda depressão. Até os irmãos Gallagher, Noel e Liam, o som ícone dos Oasis, já estavam a beber para afogar mágoas num dos bares do estádio quando o central Horlock reduziu e permitiu um assalto final para os cinco minutos de desconto.
Foi então que, no último suspiro, após uma bola metida na frente em "jogo direto", Goater tentou rematar mas a bola ressaltou e, de repente, estava a jeito de Dikov, que não hesitou, rematou e não falhou. Golo! Era o 2-2 e o City podia voltar a viver para continuar a lutar. Veio prolongamento (onde não aconteceu nada, porque o Gilligham ficou traumatizado e o City não quis forçar a sorte que já tivera) e tudo foi para penáltis.
3 - Olhem este onze: Weaver; Edghill, Wiekens, Horlock, Morrison; Jeff Whitley, Brown, Crooks, Cooke; Dikov e Goater. Nenhum nome famoso, claro. Mas lá estava Dikov, um baixote escocês que viera em 96 do Brighton, e, na baliza, um miúdo, Nicky Weaver, 19 anos, vindo de Mansfield. Durante toda a época nunca defendera uma penálti. Naquela tarde, porém, no primeiro remate do Gilligham, atirou-se tentando adivinhar o lado e defendeu com os pés. A vantagem no desempate estava conquistada até que chegou o penálti decisivo.
Dikov assumiu e, como no último suspiro dos 90 minutos, não falhou. Marcou e o City entrava em delírio, com os adeptos enlouquecidos nas bancadas do Wembley, festejando a subida à II Divisão (a First Division) e entoando, alguns chorando abraçados, o romântico "Blue Moon". A música, um original de 1943, de Richard Rodgers e Lorenz Hart (embora fossem depois as vozes de Sinatra e dos Platters que a tornaram famosa) que ainda hoje é entoada pelos adeptos, agora na sumptuosidade do Etihad com as estrelas de Aguero e Sterling mais Guardiola no banco (em 99 o técnico era o carismático Joe Royle)
4 - É, admito, injusto e talvez despropositado colocar estas duas realidades, estes dois tempos, frente a frente. Têm, porém, uma linha sucessória utópica, mas real, na história de um clube como o City. Para os adeptos que viveram estes dois momentos, é natural que tenham desenvolvido desde então quase uma personalidade bipolar.
Ser do Manchester City é um pouco isso, viver fora da realidade. Para o pior e para o melhor. Mas...e o principal herói? No coração, Dikov, claro. É nas bases que está o berço das emoções.
Qual a melhor dupla de amigos de Manchester?
A rivalidade entre Manchester City e United é um infinito mundo de histórias, mas a que mais gosto de recordar é a duma amizade entre dois jogadores na década de 60: George Best, o "quinto Beattle", estrela do United que fazia suspirar todo o público feminino, e Mike Summerbee, o narigudo avançado do City, extremo rápido em muitos jogos, mas que ficara famoso por também adorar as saídas à noite e os prazeres da vida, pelo que encontrou em Best o amigo perfeito.
Jogavam nos maiores rivais, mas, no fim dos jogos ou treinos, encontravam-se e saíam juntos. Em mais nenhum local do mundo como o futebol inglês isso seria possível, da mesma forma que quando saíam e iam aos melhores restaurantes encontravam os dois treinadores rivais, Matt Busby e Joe Mercer, a jantarem juntos e ambos cumprimentavam-nos com "Good night, boss", mesmo àquele que era treinador do rival.
Ainda hoje, Summerbee recorda os tempos em que ficava "com o que George deixava quando saía dos bares, após escolher entre tantas mulheres que o rodeavam a noite toda". Ele não foi, no entanto, só um mero companheiro de boémia, embora goste de recordar esses tempos. Muitas vezes, nesses "swinging sixties" evitou que os excessos de Best tivessem consequências piores. No dia do último adeus, não teve coragem de se aproximar. Queria conservar a melhor imagem dele, dos bons velhos tempos.
QUEM ME FEZ (FAZ) SONHAR - Denis Law
Fez parte do trio Charlton-Best-Law do imortal onze do Manchester United campeão europeu em 68. O genial Law era rápido, goleador e com um drible quase gozador para os adversários, mas também com raça para ganhar a bola na lama e depois a tratar divinalmente. Jogou onze anos (de 62 a 73) no United, mas, no fim, foi para o City (onde estivera em 61). Foi então que em 73/74 sucedeu o impensável. No último jogo, defrontou o United que precisava ganhar para não descer de divisão. Perdeu com um golo de calcanhar de... Law! Incrível. Law não festejou.