PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Mudará assim tanto o futebol através dos tempos? Se falarmos da sua essência, claro que não. Mudam factores existenciais, tendências de jogo e, até, morfotipos preferenciais do jogador que todos querem. Este será, talvez, o ponto mais perigoso dos ventos das mudanças porque, no fundo, é o que mais quer mexer na sua natureza e "fabricar" uma diferente, oposta aquela que nasceu ao mesmo tempo da... bola. Tudo o que veio a seguir, veio depois dessa essência, da relação entre o ser vivo, o futebolista, e o outro, a bola, que ganha vida (vida caprichosa) nos pés de quem a faz respirar.
Não me baseio, claro, em nenhum estudo científico mas se olhar para duas décadas atrás, acho que via mais qualidade técnica em média nos jogadores dessa época. Não falo só de tratar a bola mas da inteligência de jogo e talento para tornar a criatividade eficaz.
Cada vez mais crescem os arautos do jogador forte e rápido. Uma pujança física que não lê os sinais das origens que fizeram os melhores jogadores no passado e que ainda fazem a base dos do presente.
Se o Rui Costa tivesse sido um jogador físico, pensam que teria tido o mesmo estilo de exteriorização do seu talento? E até Figo ou Cristiano Ronaldo. Se os dois não tivessem tido antes uma base de tecnicismo (recordem como eles eram fisicamente e a gingar com a bola no Sporting) para só depois adquirirem um maior poder muscular, teriam sido, ou seriam, os craques fabulosos, "Bolas de Ouro", melhores do mundo? Tenho a certeza que não.
2 O que e perturba mais, porém, é que teimem em inverter esta ordem das coisas e, na formação, continuar a ser prioridade o aspecto físico na hora da aposta de futuro. É totalmente redutor. Porque esses tais "mais físicos" só sabem que podem marcar a diferença num futebol de duelo e choque mas nunca irão sobreviver noutro que exija controlo e passe nos espaços em "jogo posicional". Ao mesmo tempo, os tais "baixinhos sem músculo" desprezados no início podem (sem renegar o "engrossar" natural do seu físico) sobreviver e destacarem-se mais mesmo até nesse futebol de duelos, devido à sua leitura de jogo, inteligência de movimentação, abrindo/criando espaços vazios. São estes, assim, a combinar jogo (o "futebol associativo") que descobrem, com a criatividade da técnica e da mente, mais soluções de jogo do que os outros, rápidos e temíveis "montanhas de músculos", mas que na hora de terem de pensar mais o jogo, bloqueiam, "enjaulados" dentro do seu próprio corpo, que tanto faz a sua força como, noutros contextos, expõe as suas limitações.
3 Não tenho dúvidas: ao mais alto nível, é a qualidade técnica (com inteligência táctica) a fazer a diferença. Mesmo com o nível colectivo muito evoluído a nível táctico, ele irá precisar, na hora da verdade da definição junto à área/baliza adversária, do tal nível de técnica superior para tornar eficaz a ideia de jogo (seja ela do toque e jogo posicional de Guardiola ou de bloco baixo e saídas rápidas de Simeone). Sem esse "enorme detalhe" não ganham.
Claro que o tipo de jogadores tecnicistas inteligentes está, na génese de aplicação ideológica das suas características, mais indicado para o primeiro tipo de jogo, enquanto os outros podem encontrar um "plano de fuga físico" ideal no contra-ataque (rápido e possante) que faz a arma ofensiva do segundo, mas nada disto são valores táctico-técnicos absolutos. No jogo, tudo é relativo.
Vejo muitas equipas bem arrumadas tacticamente no "futebol de expectativa", tapando espaços ao adversário, mas sem a qualidade técnica de passe dificilmente irão conseguir sair dessa caverna que criaram para proteger a sua baliza.
Não questiono ideias diferentes, nem o direito à importância do jogador rápido e musculado mesmo daquele a quem muitas vezes a bola parece um "objecto misterioso". Questiono é que se subverta a origem e o valor da essência do futebol e do bom jogador.
Os diferentes estilos têm fins iguais ou diferentes?
A qualidade técnica pode ter níveis de exigência diferentes em função da posição que se ocupa e das missões que são pedidas a cada jogador. É diferente um defesa-central de bloco baixo numa equipa pequena a tirar a bola quase sempre "de primeira", sem necessidade de requintes de colocação de passe, em comparação com um defesa-central de defesa subida, bloco alto, que tem de assumir a posse da bola na hora do início de construção (o famoso "sair a jogar").
Também é pacifico dizer que exijo mais tecnicamente a um avançado do que a um trinco, ou, nesta posição entre n.º 6 e n.º 8, sei que quem nasceu para ser Gattuso nunca poderá chegar a Pirlo. E, atenção, as duas espécies são importantes numa equipa.
Já não entendo, no entanto, que me digam que quem a faz ganhar não será "um Pirlo". Embora a ilusão guerreira de Gattuso possa parecer mais importante, ele só terá eficácia para... empatar ou segurar um resultado. Para ganhar, isto é, surgir na frente e definir tecnicamente na finalização, só com o tecnicismo de Pirlo transportado para a especificidade do remate que tanto pode surgir na acrobacia técnica de Lewandowski como no ímpeto com raça que tinha Batistuta.
Em nenhum caso, frise-se, foi traída a essência do jogo e natureza da relação do jogador com a bola. Não podemos ser todos iguais, mas é obrigatório saber distinguir diferenças e valores.