Os renascimentos, o modo gestão e uma questão sobre a Bélgica: ainda é romântica?
PLANETA DO EUROPEU - A análise de Luís Freitas Lobo.
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1 - Sinto este Wembley, o novo, filho distante, na alma, do antigo (se tivessem permanecido as torres, pensava o contrário). Reivindica um sentimento de pertença a esta seleção inglesa que, mesmo quando canta que "o futebol regressa a casa" ou o "nunca caminharás só", já não tem o mesmo tremor de emoção.
Venceu a República Checa num jogo em modo de gestão. Mesmo sem essas velhas almas em campo, esta seleção inglesa apresenta a sua candidatura baseada muito na maturidade tática do seu jogo, que parte do duplo-pivot Rice-Phillips. Sábios, jogam de cadeira e levantam-se em posse para traçar coordenadas de saída de bola e condução para o ataque.
A afirmação de Phillips neste onze inglês é a grande aposta de autor de Southgate. Em vez do bom jogo de distribuição de Henderson, aposta na maior dimensão física de Phillips a queimar linhas, com o critério de um jogador que sabe entender a equipa e o pulsar do jogo. Acende e apaga as luzes. Isto é, em tradução tática aumenta ou baixa o ritmo de jogo.
2 - Harry Kane continua sem marcar. Colocá-lo no centro do debate do jogo inglês não faz sentido mas as sensações que passou nos três jogos revelam uma sua gestão de esforço que pode levantar a questão física. Protege-se, nesse sentido, demasiado no jogo. Mas a forma como, inteligente, recua no terreno e pega no jogo/bola, revela como é muito mais do que golos e vê toda a equipa a atacar.
Nas notas de Wembley fica também o perfume do jogador à moda antiga que transporta Grilish, metido a nº 10. De cada vez que toca na bola é como se marcasse outro ritmo no jogo.
3 - Voltei a seduzir-me por Shaqiri. Nos últimos anos, ele deixara de ser o baixinho morfologicamente arredondado que virava jogos (e defesas grandes e fortes) ao contrário e tornar-se mais num avançado responsável (que joga por... dentro) e de equipa. Nada contra este assumir da passagem da idade e necessidade de adaptações ao modo de vida. Não podia era, suscitar o mesmo sentimento.
Este Euro está como a provocar-lhe um mergulho na fonte da juventude do jogo. Outra vez craque, rápido e "roda-baixa diferenciador" que se ri no fim das jogadas. Que jogo lindo fez contra a Turquia. Como se estivesse num parque infantil. Fez dois golos fantásticos de remate em arco quase brincadeira, pediu desculpa quando falhou outro isolado e tornou, sozinho, esta Suíça, que é uma equipa modelo de organização tática, num onze (quando a bola ia ter com ele) quebra-regras que nos faz soltar um sorriso só de a ver jogar. É este o efeito que os grandes jogadores (bons e diferentes) têm numa equipa e num jogo inteiro. Assim, ganhei vontade de voltar a ver jogar a Suíça.
A Bélgica ainda é romântica?
A seleção belga continua a querer mandar flores ao jogo (permanece amante dos apaixonados pelo dito futebol romântico), mas exibe hoje uma frieza emocional de jogo diferente em relação a anos anteriores. Evoluiu na forma como olha para o jogo de forma mais madura para não ter dilemas em endurecer a imagem estética atrás da linha da bola se tiver que defender (e, afinal, usando a dicotomia sensorial do futebol atual, ser pragmática).
Dendonker, Tielemans e agora Witsel são essa face mais gregária do jogo belga. Tudo isto (porque não perdeu o atrevimento criativo que tinha) torna-a mais perigosa em qualquer tipo de jogo. Como irá formar (se De Bruyne se meter a partir dele) o seu duplo-pivot nos oitavos?
Hazard regressou, por fim, e jogou 90 minutos com a Finlândia. Percebe-se como protege os tendões. Continua perfumado com bola, mas longe do diferenciador de técnica objetiva que era. Dificilmente será titular nos oitavos. O futebol bonito ganhou um aliado pragmático. É assim que se pode explicar como este onze de Martinez, também numa defesa a três, que expõe mais do que impulsiona, ficou adulto do Mundial para Europeu. Sempre perdemos algo quando crescemos. Não consigo deixar de pensar assim (em vez de achar que ganhamos). No futebol, como na vida.