PLANETA DO EUROPEU - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 As duas seleções que chegam à final deste Euro, Inglaterra e Itália, representam estilos diferentes mas, respeitando a password de futebol do presente, a chamada intensidade, ambas são fiéis seguidores dessa atual tendência de estilo.
São, também, as duas equipas que, tendo um projeto com capacidade criativa ofensiva, melhor sabem, depois, transformarem-se, em nome da estratégia e exigências do jogo, para, quase virando ao revés a sua identidade, recuar em organização o seu bloco e imporem-se pelo seu processo defensivo em que passam a jogar como se essa fosse a sua casa tática natural.
São, assim, equipas que respiram com igual qualidade de vida tática em habitats de jogo quase opostos.
2 Mancini foi buscar esta Itália às profundezas do inferno. Acho que, ao contrário do divulgado, é manifestamente exagerado dizer que o futebol italiano mudou o seu estilo e revela hoje uma total rotura com o seu passado dito mais "defensivista". É verdade que o dogma do "catenaccio" caiu, mas quando os jogos endurecem (pelas circunstâncias e valor do adversário) eles continuam a saber ir buscar essa memória histórica de estilo.
Após uma primeira fase levitada pela atmosfera de Roma, jogando um futebol ofensivo atrevido, os jogos seguintes já apelaram a outra noção tática a partir do equilíbrio do meio-campo, baixando progressivamente o bloco até chegar ao duelo da Espanha da posse e, vendo a bola longe, resgatando então as mais elementares bases da pressão. Esgotada esta, resgatou uma organização defensiva mais rochosa (ficando à espera da profundidade para o contra-ataque). Segurou o resultado e ganhou nos penáltis. O Calcio regressava às bases.
3 O jogo com a Inglaterra pode ter contornos parecidos. Vai ter pela frente, no entanto, uma equipa com iguais (ou superiores) poderes camaleónicos. O futebol inglês também já não é como antigamente. A sua seleção já o mostrou neste Euro.
Quase no percurso inverso ao italiano, deixou a vertigem do ataque com bolas diretas e muita correria para passar a saber jogar/posicionar-se atrás da linha da bola e jogar a partir da raiz defensiva do sistema (que pode, então, lançar a poderosa arma dos três centrais). Esta superior noção dos diferentes jogos que um... jogo pode conter são a principal razão da crescente competitividade da seleção inglesa desde 2018.
Os talentos que surgem, como Sterling, Mount ou Foden, já emergem nesta nova moldura. E juntam-se, pacificamente, num estilo continental, aos controladores táticos, como Rice, Phillips ou Henderson.
Esta final pode, dessa forma, juntar os opostos no mesmo local tático e quase confundir tantos anos de história.
Entre a loucura e os militares
É natural o desejo de que esta final seja mais do talento dos jogadores que da organização das equipas, mas se há poder que estas seleções demonstraram até agora é o de saber conciliar ambos os fatores no seu jogo. Pensemos nos grandes velocistas do ataque. A velocidade de Insigne, com tempo de pausa e passe ou remate, contra a velocidade de Sterling, com poder de finta provocadora ou de desmarcação.
Qual terá mais espaço e oportunidade para se soltar nesse jogo? É tentador pensar que, nesse desejo, ambas gostassem de poder jogar em contra-ataque, onde estes traços de jogo de ambos podem soltar-se melhor mas, sem esses espaços, Sterling será aquele que melhor mantém o atrevimento perigoso em terrenos mais curtos no um-para-um de ataque continuado até provocar lances como aquele que, com a Dinamarca, provocou o penálti mais discutido deste Euro.
Outro ponto de força destas equipas é a autoridade dos centrais. Maguire-Stones na "Velha Albion" e a dupla militarizada italiana Bonucci-Chiellini. Atacam cada bola como dentro duma paisagem de batalha. Festejam cortes e, quando vão à frente, assustam só de os ver chegar à área para lances de bola parada. No fundo, eles mostram como tanto desejo de talento necessita sempre, em ambas as equipas, de algum antídoto.