A "interpretação oficial" de uma lei contra o seu espírito pode ter decidido a Liga das Nações, mas quem pagou foi o juiz de campo. Bem vindos à era da arbitragem de gabinete.
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A final da Liga das Nações, entre Espanha e França, decidiu-se num caso de estudo de arbitragem.
Mbappé está em aparente posição irregular que não foi sequer analisada porque um adversário tentou intercetar o passe para ele e roçou a bola.
No artigo relevante do regulamento de arbitragem o termo fundamental é "deliberado", sinónimo de intencional, uma palavra que dá vasta margem de interpretação ao árbitro - como bem esclareceu, neste jornal, o ex-internacional Jorge Coroado.
Na primeira reação oficial ao grande debate que o incidente provocou, o chefe dos árbitros da UEFA confirma as suspeitas de que há duas arbitragens - a pública e a dos gabinetes - e que os seus agentes, a começar por ele próprio, têm um grande conflito com a linguística em geral e a semântica particular. Vejamos: Roberto Rosetti entende que "Anthony Taylor tomou uma decisão correta com base na lei existente e sua interpretação oficial". No entanto, "este caso mostra-nos que a corrente interpretação da lei parece estar em conflito com o espírito da própria lei".
Por isso, diz ele, a UEFA acha que se deve encontrar "formas de melhorar a redação" do artigo. Pergunta evidente: quem interpretou oficialmente a lei contra o seu espírito? Porque essas pessoas, esse governo sombra da arbitragem e das "interpretações", são capazes de ser o problema. São as mesmas que acham desejável expulsar um jogador (Luis Díaz, com o Braga) por rematar à baliza e que já vão na sétima ou oitava teoria do que deve ser uma mão na bola. Essas pessoas continuarão a interpretar seja o que for que se escreva na lei com os mesmos olhos: olhos de quem pôs entre si e o jogo jogado milhares de folhas de Excel, centenas de Powerpoints, milhões de teorias com os árbitros por cobaias. Olhos de quem não arbitra o mesmo futebol que nós vemos e que as equipas jogam. E com absoluta impunidade. Anthony Taylor teve uma semana miserável, mas os autores dessa e de muitas outras "interpretações oficiais" nunca conheceremos ao certo.