VISTO DO SOFÁ - Opinião de Álvaro Magalhães
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O clássico entre o FC Porto e o Sporting só teve 42 minutos de bola jogada, mas o confronto começou uma semana antes e ainda continua.
À falta de pedras bicudas, têm voado, de cá para lá, de lá para cá, comunicados, newsletters, tweets, queixas-crime. É o sempre muito enfadonho espectáculo da parcialidade, com ambos os lados a torturarem a realidade até ela, coitada, confessar: "Tens razão!".
E até os comentadores televisivos que se dizem imparciais (como se isso houvesse) viram, como bons adeptos que são, o que o coração queria ver. Ainda a confusão que se seguiu ao apito final estava viva e já eles apontavam o dedo à cultura de violência dos portistas, o mesmo que fez Varandas na sala de imprensa. Para eles, o sururu é uma prática insólita dos grunhos do norte, esses vândalos que até com "objectos metálicos em forma de projéctil", vulgo bala, atacam os seus adversários (imaginem que também tinham as pistolas). Como se não estivéssemos cansados de assistir a cenas destas, e piores, em todo o lado, até - pasme-se! - na Luz e em Alvalade.
O sururu, que raramente chega à violência, limitando-se ao empurrão, ao encontrão e ao típico "segurem-me que eu mato-o", como aconteceu no Dragão, onde também houve abraços fraternos, eclode, de súbito, naqueles jogos em que a tensão se torna insuportável e um gesto chega para incendiar a pradaria. É uma cultura, sim mas do futebol, pois é planetário e intemporal, como nos diz a história do jogo. Logo, não se pode exterminar.
Temos de viver com o sururu, mas podemos reduzi-lo à sua mínima e mais inofensiva expressão. Com punições mais severas, por exemplo. Para isso, porém, teria de existir uma entidade que pairasse acima desta cultura tribal reinante e regulasse, julgasse, castigasse. Mas onde está? Nem sequer se vislumbra no horizonte. O que existe são correlações de forças clubistas nas organizações dirigentes, pois os clubes têm medo de perder o controlo. Assim, estão seguros de que nada de muito grave lhes poderá acontecer, façam eles o que fizerem.
Quanto à tese de que a violência e a trapaça são fenómenos portistas, acaba de sofrer outro abalo, com a revelação de mais golpes baixos que o Benfica terá usado, nos últimos anos, do suborno de jogadores a pagamentos a Bruno Paixão, e a outros árbitros, através de uma empresa fantasma. Foi da maneira que ficámos a saber a quanto estava o penálti forçado e o golo anulado ao adversário, por coisa nenhuma.
E ficaremos ainda mais esclarecidos se nos inclinarmos para o teor de processos como o Cashball ou se recordarmos estas declarações do ex-presidente dos leões, Jorge Gonçalves, à revista "A Bola Magazine", em 1998 (mais ao menos a meio dos tais 40 anos vergonhosos de Pinto da Costa): "Paguei a árbitros para favorecerem o Sporting, como pagaram os dirigentes de quase todos os clubes".
Ou seja, vale tudo menos pôr umas asas de anjinho nas costas e chamar nomes feios aos outros, pois basta consultar a realidade, essa desmancha-prazeres, para se chocar de frente com a muito equitativa distribuição geográfica do vandalismo e da trapaça.