As notícias da chegada da racionalidade ao mundo das chicotadas psicológicas são muito exageradas. Não só o sistema continua avariado, como a vida dos treinadores tenderá a complicar-se
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Exercício simples: confiaria mais na competência de um treinador que, nas últimas dez épocas, falhou os objetivos sete vezes ou num presidente que, nesse tempo, despediu dez treinadores?
O presidente avalia o treinador pelas suas escolhas para o onze, mas ninguém avalia o presidente pela escolha falhada que ele assume sempre que despede um treinador
Ontem festejou-se, com uma travagem pelo meio, a novidade de não haver chicotadas à oitava jornada. Entretanto saiu Daniel Ramos, pelo próprio pé (aparentemente), e a notícia da Lusa ficou como que pendurada na dúvida. É apenas um fait-divers. Nada mudou num sistema que a teoria da organização definiria como avariado: o presidente avalia o treinador pelas suas escolhas para o onze, mas ninguém avalia o presidente pela escolha falhada que ele assume sempre que despede um treinador. Pelos sócios, o treinador seria até despedido muito mais depressa.
Quando chegam as eleições, as chicotadas nem sequer são tema. O sistema só difere quando os clubes apontam alto. António Salvador blindou, anteontem, Carlos Carvalhal porque sabe que esta é uma época de transição e que estaria a despedir o engenheiro a meio da construção da ponte. Mas só quatro ou cinco clubes constroem pontes em Portugal. Os outros nadam até ao meio do rio e esperam por um tronco que passe. Na última década, talvez, a travessia piorou. As vendas, em qualquer momento da época, tornaram-se "modelo de negócio" e um objetivo em si próprio.
Nalguns clubes, hoje mais pequenos do que muitos empresários, gera-se dependência, noutros crescem relacionamentos ainda piores, e todo esse mundo tem o treinador no centro, colocado numa posição impossível. Tem de ser líder e submisso, competente e testa de ferro de decisões alheias, exigente e disponível para perder peças-chave a qualquer momento.
Daniel Ramos ficou sem o melhor jogador do Santa Clara (Carlos Júnior) a meio de uma pré-eliminatória europeia. Por isso não se entusiasmem com a coincidência. Para travar as chicotadas, os treinadores precisariam de ser uma mistura de génios e santos.